O "chupa-cabras"
Há um certo exagero. Embora rudes, valentões e dispostos, os oito homens que estavam perto da vala cavada no chão, onde as brasas fritavam lingüiças e uma pequena panela servia para fazer farofa, mais outra que não demorava e poderia ser derramada a água para fazer café num coador de flanela, usado muito tempo, já quase tendo atingido a cor da bebida, agachados conversavam baixo. Mas não eram jagunços, a bem dizer.
Vez por outra, a garrafa de pinga, coisa de primeira qualidade, lá dos rincões da serra, feita com carinho e orgulho por Bastião Crisanto, dono das terras onde era produzida a amarelinha com sabor leve, envelhecida em tonel de carvalho anos, a dita cuja garrafa, que não era a única levada pelos tranca-ruas, passava de mão em mão e cada um colocava um pouco na canequinha de alumínio. Nada de beber no gargalo e sujar a bebida com a saliva da boca. Estavam todos em busca da onça que andava acabando com os novilhos. Uns, fazendeiros experimentados com as caçadas, outros empregados de confiança. Oito, ao todo. A barraca de lona encerada estava próxima ao fogo, que ajudava a manter longe cobras e outros enviados do capeta.
- Pois eu lhe digo, seu Honório, que acredito sim no que este povo fala.
- Cê inda credita em Papai Noel.
- Quer dizer que não crê no chupa-cabras?
- Não e se topar com ele na frente, vai comer chumbo disto daqui – falou alisando a coronha da Winchester quarenta e quatro, ferramenta que todos carregavam, sem contar nas espingardas de cartucho. Arma ali era coisa que não faltava.
- E se ele é do cão mesmo, o coisa ruim?
- Vai do mesmo jeito.
Tolice insistir. Aqueles oito – um exército! – para pegar uma onça vadia, nenhum deles iria ceder na discussão. Têm os que acreditam em tudo, têm os que não acreditam em nada. A conversa não demorou muito, recolheram-se na barraca pesada e um deles foi ver o burro Carimbo, mais a cachorrada onceira que tinham levado.
O dia nem havia clareado e mais uma vez uma cachacinha com café e rapadura e um aipim frito no já quase extinto braseiro forraram os estômagos dos compadres.
Não desmontaram a barraca, nem apagaram o fogo, que não apresentava risco nenhum de fazer uma queimada. Era baixo demais, quase só cinzas. Claudionor, o mais velho de todos, ficou tomando conta do acampamento e do burro Carimbo.
Andaram na mata, por vezes aberta, em outras necessitando usar os facões que pareciam espadas, de tão grandes. Por volta do meio dia, a cachorrada endoidou. Dispararam em carreira desabalada, seguidos pelos matadores.
Os latidos, o choro sofrido dos onceiros acostumados a enfrentar muito bicho bravo, cessou. Tão logo os homens chegaram. Mal podiam ver e acreditar. Uma onça parda, das grandes, estava morta, mortinha, mortíssima no chão. Até aí, nada. Mas ela estava magra, seca, sem sangue. No pescoço tinha uma mordida, e ninguém dali podia dizer de qual animal.
- Foi ele! Pegou a onça!
Foram-se embora. Ninguém disse nada...