A livraria da Beth


       Era uma quinta - feira ensolarada de inverno. O céu estava limpo, de um azul verdadeiramente celeste. 

        Eu não saí exatamente para caminhar. Ultimamente está ficando impossível sair de carro. Acaba sendo mais rápido e saudável sair caminhando, seguir os próprios pés.

      Eu tinha destinos específicos : passar pelo faturamento da Santa Casa para saldar os últimos compromissos financeiros em busca de saúde para meu irmão.Encontrar minha chefe para discutir detalhes do Regimento do novo Conservatório. Enquanto isso, o celular ligado, esperando as chamadas normais de minha Fábrica de Pães ou da Casa de Cultura, os meus locais de trabalho. Nem fiz uma coisa nem outra: não havia ninguém a minha espera. Fiquei frustrada? Nem tive tempo: uma vozinha interna cochichou em meus ouvidos: Quer saber de uma coisa MO? Vá passear, esqueça por um dia  o trabalho. Vá se divertir.
Nem pestanejei. Desliguei o celular e fui  passear.

       As últimas semanas têm sido de uma tristeza mansa para mim. Não é fácil perder um irmão e se acostumar a pensar: Nós éramos dez, agora somos oito. Mas tristeza não quer dizer infelicidade. E eu desci a rua feliz procurando absorver toda a beleza daquele começo de tarde, sorrindo para as pessoas mas evitando parar. Não é difícil ficar com os olhos enevoados quando o assunto recorrente é sempre o mesmo. Não queria falar de morte mas reencontrar a vida.

        Eu não estava planejando ir até onde fui. Mas quando atravessei a rua e olhei para baixo eu a vi: a livraria da Beth, Sabor e Arte. Não tive dúvidas: fui buscar alento no lugar mais aconchegante da cidade.

      Nem vou muito lá. Fica fora de minha rota. Quando vou, porém, me sinto bem. A loja é pequena, umas seis mesas com tampo de granito e pés metálicos, estantes com livros encostadas nas pareces, um armário com livros para alugar. Para seus padrões estava cheia: quatro mesas ocupadas, as pessoas comendo e bebendo, lendo e conversando.Uma música suave ao fundo. Um atendente gentil e minha amiga Beth, dando atenção a todos. Você é de casa, fique a vontade, ela disse. E eu fiquei.

        Não é a maior nem a melhor livraria da cidade. É a mais charmosa. Beth é realmente uma livreira, seu negócio não é apenas um negócio: ela ama os livros e o ambiente que propicia 
aos seus leitores. Pedi um café com creme, uma água, uma enorme fatia de bolo de amendoim e uma trufa gigante. Separei alguns livros e fiquei ali bebericando, mordiscando e escolhendo os livros que iria levar. Acabei ficando com dois: um de receitas e um sobre livros.Eu estava no paraíso.

        Beth participa de vários eventos culturais na cidade. Organiza anualmente  um concurso de redação. O prêmio? Livros. Monta sua barraca na Praça quando eu a convido e até quando eu não convido. Ela se oferece. Lança autores. Em 2006 ela recepcionou Fernando Morais quando ele aqui veio, dentro do Projeto Grandes Escritores que é feito através do  Departamento de Cultura, que chefio. Quando Zuenir Ventura vier, em agosto, será lá que vou levá-lo para a entrevista com os jornalistas lavrenses. É quando a loja fica tão cheia que até os livros desaparecem, ofuscados pelas pessoas e suas conversas..

        A livraria da Beth é um lugar que vale a pena frequentar. Um oásis em um deserto de idéias e superficialidades. Um refúgio.
   
       Voltei para o meu trabalho no fim da tarde e para compensar minha ausência meus funcionários puderam saborear as deliciosas fatias de amendoim que levei para eles. Que tomaram com refrigerante bem gelado. Ai, que frio!