PAU QUE NASCE TORTO

O Zé Carlos era viciado. Já havia tentado largar o vício muitas e muitas vezes, mas sempre fraquejava. Fez tratamento médico, simpatia, tomou garrafada, tentou o diabo, e nada. Por causa do vício chegou até a perder o emprego: foi flagrado cheirando cocaína no Arquivo Morto da empresa pouco antes do final do expediente. Tentou argumentar, dizendo que era a primeira vez, que nunca havia cheirado aquilo antes, mas o chefe não acreditou; nem ele nem vocês, que já estão aí tirando conclusões precipitadinhas e taxando o pobre do Zé Carlos de drogado. Pois fiquem vocês sabendo que o Carlão não é viciado em drogas não senhores. Só não digo que ele não é viciado em droga nenhuma porque, de fato, como já disse, ele tem um vício: é viciado na droga do sanduíche do trailler do Edu, o “EDUÍCHE”, que fica no caminho entre sua casa e seu antigo emprego.

Mas por falar em antigo emprego, se ele não era viciado em cocaína, por que é que foi cheirar cocaína logo no serviço? Pois eu também me perguntei isso e, não achando resposta, perguntei ao próprio Zé Carlos. Ele me explicou que foi o Túlio, do NPD, quem lhe arrumou a droga, garantindo que se cheirasse antes de ir para casa só iria sentir fome lá pelas 22:00 horas, de modo que conseguiria ir para casa sem fazer a parada obrigatória no “EDUÍCHE”. Se ao menos a técnica do Túlio tivesse funcionado, isso lhe serviria de consolo. Mas que nada, depois daquela carreirinha ficou foi com uma fome “muito doida”.

Desempregado, continuou freqüentando o trailler religiosamente às 18:30, dia após dia. E todo dia passava raiva com um certo pirralho. Detestava ser importunado, quando estava comendo, por pedintes, mas todo dia lá vinha o pirralho, que chegava por trás e cutucava sua costas, com o dedo sujo, pedindo: “Me dá um pedacinho?”. Ele nunca dava, mas o pirralho nunca desistia, e sempre ouvia a mesma resposta: “Vai procurar um serviço, ô moleque!” E o menino sempre dizia: “Tô tentando, mas tá difícil!”.

Tal qual o menino pedinte, o Carlão tentou por muito tempo um emprego. Até que desistiu e resolveu montar seu próprio negócio. E foi já na condição de micro-empresário que teve uma boa idéia ao ser cutucado pelo indicador sujo do Otavinho quando devorava o seu majestoso SUPERCHESSEGGBIGMASTERBACONBURGUER-SALADA-ESPECIAL. Olhou para o menino que, como de praxe, pediu:

- Me dá um pedacinho?

- Não, não dou. Vai arrumar um serviço!

- Eu tento moço, mas tá difícil!

- Pois se tava difícil, já não tá mais. Eu vou lhe empregar! Montei uma fábrica de picolé e tô precisando de uns meninos pra vender pra mim na praia. Passa lá em casa amanhã cedo que a fábrica fica nos fundos.

- Brigado moço, brigado mermo. Amanhã cedim eu tô lá.

Pegou o endereço e, antes de ir embora disse:

- E o meu pedacinho, pra comemorar?

- Nada disso. Amanhã você vai poder comprar um!

No dia seguinte, o Otavinho madrugou. Para seu azar o dia estava meio nublado e com um ventinho sul nojento, como vocês bem devem conhecer. O Zé Carlos, todo satisfeito, deu um copo de leite e um pão com manteiga para o menino, encheu uma caixa de picolé e desejou-lhe boa sorte, apesar do tempo ruim. E lá se foi o Otavinho, com sua caixa de picolé ......... menos um pedinte no mundo, pensava, orgulhoso, o Zé Carlos.

Praia quase deserta, pernas cansadas de andar já há quase uma hora, e nem um freguês. Já estava quase desistindo quando um menino grita:

- Picolé, ei picolé!

- Otavinho vibrou. Correu em disparada até o menino que estava brincando na areia ao lado do pai.

- Tem de quê?

- Tem de coco, maracujá, limão, goiaba, manga, amendoim, chocolate e doce de leite. .....Ah, tem de groselha também!

- Coco.

- Otavinho deu o picolé ao menino. O pai pagou. O menino tirou o papelzinho que embrulhava o picolé e Otavinho guardou-a na sacolinha presa à caixa de isopor, para não sujar a praia. Começou a ir embora mas, depois de uns cinco passos parou e fixou os olhos no menino, que brincava com o pai, de costas para ele. Voltou e, com o indicador sujo de areia, cutucou o menino:

- Me dá um pedacinho?