AMANTE DA ESCRITA
Hoje acordei com uma imensa vontade de escrever. Não, não pensei em algo sublime, mágico ou comovente. Apenas quis, mais uma vez, sentir meus dedos deslizando pelo teclado – Ah, saudoso caderninho de notas... Perdoe-me!-, embalado pelo choro de guitarras, baterias febris e cantores maravilhosamente insanos, enquanto a fumaça do cigarro à minha frente desenha exóticas coreografias sobre a tela do monitor, numa dança intrigante; quis apenas ouvir mais uma vez o barulho do gelo derretendo no copo, admoestando sobre o tempo que passa, enquanto encaro o intermitente ir e vir do cursor.
Confesso: sou amante da Escrita. E como toda amante que se preze, ela exige seu quinhão de atenção: muda, contemplativa, e às vezes, até dolorosa. Não conseguir unir as palavras que libertarão pensamentos, idéias, medos e amores, muitas vezes confusos, provoca em seus amantes um dor que só estes conhecem.
Entre vírgulas, apóstrofos, travessões e pontos, separamo-nos e nos reencontramos com mais intensidade, lascívia, idolatria. Ela não espera menos que isso. Não perdoa erros porque diz que diminui sua beleza – como é vaidosa, minha amante!-, não admite omissões, mesmo as mais sutis; não perdoa aos que não sabem manejá-la, castigando-os com a agrura de não conseguir expressar o que vem à mente e ao coração.
Minha amante suplica mais carinho, atenção, zelo; onipresente, sempre fez parte de minha vida, desde a mais tenra idade, e certamente estará comigo até meu último sopro de vida; nada me traz tanta liberdade, paz e ira. A febre nos versos, o estupor das linhas numa carta de amor, as lágrimas que embaçam a visão em cada madrugada fria e solitária, quando o silêncio terrificante só é quebrado pelo barulho das teclas no seu sobe-e-desce interminável e, muitas vezes, angustiante. Quando tudo parece ruir, ainda temos um ao outro. O amor cobra seu prazer com devoção, sangue e lágrimas. A Escrita também. Sempre.