Humanamente hesitante
Hoje, por mais que esteja resolvido a escrever, qualquer coisa que seja, por dever de ofício, nesta brincadeira em que finjo ser um escritor, sei que nada brilhante será produzido, por absoluta falta de novas idéias.
Em primeiro lugar, faltam-me temas sobre o que escrever. Geralmente crônicas se referem ao noticiário dos jornais, e já estou saturado desses crimes todos, balas perdidas, vitimas inocentes, operações da policia federal, por mais espetaculosas que pareçam ser. A bem da verdade, muito ainda falta a se investigar, muita lama deve ser revirada sobe as negociatas dos últimos vinte anos.
E pergunto, por que limitar a vinte anos? Como poderão ser investigados os roubos efetuados nos anos anteriores, nos anos da ditadura? Quanto não se roubou na construção da Transamazônica, da Ponte Rio - Niterói, na Açominas, nos reatores atômicos de Angra dos Reis, em Itaipu? Muito, mas parece que pouco importa em face do que veio depois.
Então para não perder tempo numa investigação impossível de ser feita, o melhor seria que eu tivesse um editor feroz que me determinasse, sem discussões, o tema de uma crônica, suponhamos, um texto sobre, sobre... Bem, aqui o meu editor hesita, afinal deve-se falar sobre temas que se conheça bem, e o que eu conheço bem, exceto as dúvidas, as hesitações?
Então será isso, um texto sobre a hesitação.
Qualquer um que observe atentamente verá um pouco de hesitação permeando todos os acontecimentos: será que aquele PM que fuzilou o carro e matou a criança não hesitou nem um pouquinho? Se não pensou a respeito e agiu intempestivamente, com certeza pensou depois. Deve ter pensado na bruta cagada que acabara de fazer, deve ter rememorado o processo que o levou a entrar para a polícia, mais do que uma vocação, uma forma de arranjar um emprego público, com estabilidade. Só não contava com o imponderável, com a periculosidade do serviço.
Da mesma forma os ricaços presos pela polícia federal, afinal qual o crime que cometeram. Ora, sonegaram impostos, corromperam funcionários, fraudaram resultados de concorrências, práticas, aparentemente, muito comuns no meio empresarial de qualquer país onde impere o sistema capitalista. Não devem ter atirado nem matado ninguém. Apenas gostam de manipular o mercado e de ganhar sempre, levando a eficácia do sistema a extremos criminais. Terão eles hesitado ao cometerem as suas falcatruas? Ou cegos pela ambição e pela cobiça percorreram sem hesitar a trilha de deslizes que poderá levá-los às barras dos tribunais ainda que não se espere pena muito rigorosa, como poderia ocorrer ao mesmo crime cometido na China, por exemplo. E seus juízes, hesitarão ao emitir o veredicto, hesitarão ao aceitarem o seu pedido de “habeas-corpus”?
Creio que a dúvida é minha apenas, uma espécie de característica pessoal, pois ninguém hesita ao desempenhar o seu papel social. A hesitação é própria de quem não pôde encarnar completamente o papel que o seu meio social lhe destinou. E que vai morrer sem definir a sua vocação. Pois tal escolha é uma limitação, pois quem escolhe renuncia a todo o resto não escolhido.
Alguém humanamente hesitante e exitoso. Como eu.