Reconhecimento
- Vou conseguir, vou conseguir, vou conseguir... Repetia freneticamente olhando o relógio pequeno sobre a geladeira, contando os pontos restantes. Quanto tempo aplicava a agulha de crochê?
Desde que o namorado entrara na engenharia numa universidade particular, abrira mão das festas, dos encontros sociais e das saídas às pastelarias, às pizzarias e aos rodeios para ajudá-lo no pagamento das mensalidades.
O emprego no comércio rendia-lhe pouco. Por isso, aprendeu a costurar, a preparar e assar salgadinhos, a fazer unhas, crochê e artesanato. Sempre que não aparecia cliente no salão improvisado na cozinha, corria a fazer bonecos de bambu. Quando as encomendas para salgadinhos e bolos para festas desapareciam, encetava uma peça de crochê, vendida semanas depois com muito sacrifício a algumas senhoras que moravam perto da Câmara Municipal.
Naquela noite, trabalhava numa longa coberta de crochê encomendada por uma noiva que a queria na manhã seguinte. Desde pouco depois do almoço, a agulha esgueirava-se entre os orifícios, vencia as dificuldades, construía caminhos e delineava estética inerente ao conhecimento e ao gosto femininos.
O pai perguntava se o esforço valia a pena. Ela se magoava. Numa noite, chorou discretamente no canto do quarto, agarrada às almofadas velhas. Logicamente valia. Em sua cabeça, um desejo premente: o reconhecimento.
Trabalhava excessivamente, angustiantemente, desesperadamente em busca do reconhecimento que o namorado lhe daria após a faculdade. Uma palavra de carinho, de afeto, de gratidão eterna.
Por insistência dele, ela não comparecia aos churrascos da turma. Questão de economia. Se os dois fossem, duas passagens adicionais de ônibus. Não queria ir, lamentava-se convincentemente, mas precisava fazer uma média com os colegas, estabelecer contatos. Pensava no futuro, dizia.
De panos velhos e de tiras doadas pelo gerente de uma loja de confecção do centro, produzira um vestido razoável com o qual pretendia acompanhá-lo às festas de colação de grau e de homenagem aos professores, ao baile de formatura. Por um ou outro motivo obscuro, ele preferiu não levá-la. Chorou. Desta vez, as almofadas não impediram que os soluços chegassem ao pai. Sentindo-se idiota na tentativa de adverti-la, alertava mais uma vez sobre as intenções do genro.
Semanas depois da formatura, mudou-se para Marília. Prometeu buscá-la dali a seis meses. Estabilizar-se. Alugar uma casa, comprar os móveis, um carro.
Seis meses. Doze meses. Dezoito meses. Nem carta, nem telefonema, nem telegrama, nem correio eletrônico. Pela boca do filho de uma vizinha descobriu o endereço dele. Bairro nobre, casa razoável. Vozes na casa, quando passara em frente dela. Provavelmente compartilhava a casa com amigos para dividir as despesas, economizar dinheiro para o futuro do qual ela oniricamente participaria.
Numa manhã de domingo pegou o primeiro ônibus. Desceu na rodoviária. Inquiriu os taxistas do endereço e de como chegaria lá. Por mais de quarenta minutos caminhou sob sol forte, endireitando-se na sandália emprestada de uma amiga.
Se os dentes cariados não turvassem a beleza, seria uma mulher atraente e provocante. Se a pele não apresentasse falta de cuidados, mostrar-se-ia um convite para noites de luxúria. Se os esforços diários e repetidos durante cinco anos não lhe destruíssem a coluna, não aparentaria vinte anos a mais.
Tocou a campainha, uma loira de cabelos lisos, dentes reluzentes e gingado vistoso abriu a porta. Ele saiu em trajes de banho. Reconheceu tão logo sentiu o odor de seu perfume. Não disse muito. Que não o procurasse mais, que nada tinham em comum, que não voltasse ali.
Ela chorou. Não pela casa, pela piscina de onde ele saíra, pela loira. Chorou porque simplesmente esperava o reconhecimento. Obrigado, grato, agradecido. Desta vez, as almofadas tremeluziram silenciosa e solitariamente em sua cama.
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 12 de julho de 2008.