A insuportável prepotência do ser (humano???)
“Hoje amanheci excepcionalmente feliz. O dia estava lindo, o sol brilhava, os pássaros cantavam sua melodia de recepção àquela maravilhosa manhã. Eu me sentia a mais perfeita das criaturas. Começava a primavera, minha estação preferida. Já podia perceber meu corpo se transformando, motivado pela mudança de estação. Em meus ramos já brotavam pequenos botões, que se abririam em flores dentro de alguns dias. E, com mais um pouco de tempo, estaria carregada de frutos, que iriam alimentar as mais diversas criaturas que por esta floresta passassem. Estava orgulhosa de ser uma árvore frutífera, de viver sempre em pé, altiva, jovem, cheia de saúde, ofertando também minha sombra e produzindo oxigênio a todos que necessitassem. Minha missão era nobre, por isso sentia-me a mais feliz das criaturas.
Porém, a ambição desmedida do ser humano estava prestes a tirar o meu sossego e o das minhas companheiras verdejantes. Ouvimos um barulho estranho vindo ao longe, aproximando-se cada vez mais. Aliás, nos últimos dias, já tínhamos ouvido aquele mesmo som, e percebemos os pássaros sempre voando assustados e os animais tentando se refugiar de algo iminentemente ameaçador.
De repente, eles estavam ali, a alguns metros de nós, com seus instrumentos de destruição. Cinco homens, cada um com um ar mais aterrorizante que o outro. Não sei como os humanos conseguem expressar tanta arrogância em suas faces... Nós, árvores, apenas expressamos beleza, exalamos nosso aroma vivificante e renovador, ou seja, só fazemos o bem. Fico me perguntando: o que leva os homens a terem esse instinto de destruição? Ambição? Egoísmo? Prepotência? Acho que nunca compreenderei...
Minha amiga da direita foi a primeira vítima da implacável máquina devastadora. Ela também estava prestes a florir. Era um ipê amarelo, imenso, antigo, majestoso. Um dos homens subiu nele e começou a esquartejar seus galhos mais pesados e volumosos. Aquilo doía muito em mim, uma triste observadora da desgraça alheia. Era uma dor profunda, silenciosa, revoltante. Minha companheira começa lentamente a sentir aproximar-se o seu fim, e emite suspiros, lamentos e gritos silenciosos, como só as árvores sabem fazer, sons que os seres humanos não ouvem, ou não querem ouvir.
E observo, condoída, que a árvore continua a resistir ao assédio. Com muito heroísmo, resiste a cada golpe que, sem piedade, lhe assestam os seus inimigos poderosos. Já estava quase careca, desnuda. Creio que se sentia muito envergonhada de sua nudez. Restava apenas o tronco que teimosamente insistia em estar ligado à terra mãe, àquela que a viu nascer. E por isso a terra sentiu-se ferida. E todas nós nos sentimos assim também. Subitamente, num ronco descomunal, surgiu uma fera de metal, que lançava fumaça por todos os lados, como um dragão invencível, e com uma pá de ferro, mergulhou nas entranhas da terra e retirou as raízes, o esqueleto, tudo o que restava da pobre árvore, ficando no seu lugar uma cratera, como se fosse um campo de batalha. Eu e minhas companheiras chorávamos por dentro... Sabíamos que aquele seria também o nosso fim...”
E é assim que se sente uma árvore ao ser subjugada à prepotência do ser dito humano: humilhada, frustrada e ferida em seu direito à vida. Ela que se serve toda a nós, nos dá ar, alimento, sombra, abrigo... Até quando nós prosseguiremos neste embate destrutivo da natureza, achando que conquistas materiais valem mais que a vida? Pois, se assim o fizermos, estaremos nos condenando à extinção, juntamente com os seres vivos que eliminamos, sem analisar as conseqüências de nossos atos. Reflitamos sobre isso, pensemos e sintamos como humanos que somos...