A Cidade Respira

A gente anda de carro o tempo todo e acaba se esquecendo da cidade. Acaba não vendo a cidade. Como quando estamos na estrada de carro, que não vemos o melhor da paisagem.

Podiam ser nove da manhã. Estava indo pegar o carro que tinha deixado no representante para a revisão. Tive que usar o ônibus. Que não pode me deixar em frente à concessionária. Seria preciso andar por cerca de meio quilometro.

Só o fato de andar na calçada, vestido com a roupa com que se vai ao trabalho, causou-me certa estranheza, por não ser algo que me fosse habitual. Aí tive que atravessar algumas ruas, sempre com gente ao meu lado, e transitar por passagens subterrâneas que não sabia que existiam naquele bairro onde estava. De repente aquela parte da cidade pareceu-me diferente. E aquela gente também. Senti-me por instantes como um estranho num bairro da cidade onde nasci e cresci. E me dei conta de que dirijo há mais de 25 anos. E que durante uma boa percentagem desses anos todos estive fora das ruas. Daí achar-me um peixe fora d’água.

Não pude acompanhar as modificações que aconteceram no bairro onde estava e constatei que só o conhecia de passagem. Isto é, por passar de carro. Percebi a importância de também se andar a pé.

A beleza de certas construções, de alguns materiais utilizados em muros e calçadas, pisos cerâmicos e azulejos nas passagens subterrâneas, tudo isso foi me chamando a atenção, fazendo com que me sentisse um turista naquele bairro de minha cidade.

Houve um momento em que tive a impressão de que não sabia exatamente onde ficava a concessionária. Foi quando decidi percorrer a passagem subterrânea onde estava até ao fim, achando que sobre ela havia apenas uma rua. Quando me vi do outro lado, fiquei meio perdido. Logo que percebi para onde deveria continuar caminhando, ao invés de voltar pela passagem, decidi atravessar uma rua bem larga, só para não ter que fazer o mesmo caminho. Pelo menos até à metade. E aí notei que estava no caminho certo de novo. Mas conclui também que, sempre de carro, eram melhores as condições de eu saber exatamente onde ficava a concessionária. Ao passo que andando a pé, eu poderia me perder.

Dias depois, tive que de novo pegar o carro na mesma concessionária porque na revisão eles não trocaram a bóia de combustível que não estava funcionando corretamente. Eles não tinham a peça. A troca foi agendada para outro dia.

Nesse dia, saltei de um outro ônibus, portanto num outro local, por volta de 6h30. A sensação foi mais ou menos a mesma. Eu diria até mais intensa, porque é claro que a cidade é bem mais diferente quando está acordando. A cidade respira. Menos gente nas ruas. A gente tem mais tempo de olhar as casas, os prédios de apartamentos ou comerciais. Os belos jardins em prédios que jamais perceberíamos do carro (os jardins ou os prédios). Pessoas vestidas adequadamente para caminhadas na praia ou para a prática de natação ou algum tipo de esporte nos clubes do bairro – que ficava próximo à orla marítima. Pessoas com seus cães para o passeio matinal sem risco de haver muita gente por perto. Motoristas de táxi chegando para o primeiro café no barzinho que acabara de abrir. Alguém lendo uma revista em voz alta na banca de jornal. As pombas na calçada em frente à concessionária, aproveitando o espaço por ser pequeno o número de pessoas passando àquela hora (eu já estava do outro lado desde 7h, esperando que a concessionária abrisse, o que se daria às 8h).

Foi de fato uma situação diferente. E considerei um absurdo o fato de que eu somente tivesse podido vivê-la por causa de um problema no meu carro. Que não deixa a gente respirar com a cidade. E que faz de nós eternos prisioneiros desse tipo de máquina.

Rio, 15/07/2008