O poeta Geraldo Maia desabafa
LÁGRIMA SECA
Durante os últimos quarentas anos a Bahia foi completamente destroçada, arrasada, aviltada, vilipendiada, principalmente no que se refere às condições mínimas de vida para o seu povo. A Bahia, nesse período, viveu uma situação de autêntica Lei Seca no tocante a investimentos na área da saúde, da educação, do transporte, das estradas, das ferrovias, das hidrovias, portanto nada de hospitais, equipamentos hospitalares, remédios e médicos bem remunerados, nada de escolas, bibliotecas, livros, móveis escolares, capacitação e adequada remuneração para as professoras e professores, nada de novas rodovias, de cuidado com as existentes e abertura de novas ferrovias, de cuidado com os rios e suas matas ciliares, principalmente aqueles com vocação natural para hidrovias.
A cultura vigente era a de confronto total com a lei, com a ética, como o respeito a si mesmo e ao próximo. Foi o tempo dos grandes investimentos na cultura anestésica em detrimento da cultura popular, massacrada. Uns poucos privilegiados foram cooptados para porem em prática o nefando plano de avalizar através de mega eventos pirotécnicos essa verdadeira Lei Seca para com o bem estar das cidadãs e cidadãos baianos, principalmente os excluídos de baixa e baixíssima renda.
Só uma apequenada minoria foi contemplada com as benesses dessa Lei aviltante que confinou a todos (quase) na prisão da miséria e do abandono que ainda se vê refletidos nas macas abarrotando os corredores dos poucos hospitais existentes de cadáveres insepultos, verdadeiros mortos-vivos a mendigar uma esmola de cuidados, atenção, atendimento e medicamentos.
Nas escolas é a degradação que ainda impera apesar dos esforços hercúleos da atual administração para tirar da inércia o gigante manietado da educação. A justiça baiana comia na mão do coronel maior as migalhas da servidão. A polícia limitava-se a servir de segurança para os desvios e desmandos do privilegiado grupo até então no poder. E a Lei em vigor era a Lei Seca do autoritarismo a rodo, do mandonismo em altas doses, e o bafo dessas onças rapinantes abafava o grito agonizante da população submetida à Lei do mais forte que manda e do mais fraco que obedece.
Tudo corria como se essa cultura fosse a normal, a natural, designada por Deus e abençoada pelo Papa e pelos Bispos, padres, pastores e guardadores de Orixás.
Era a Lei Seca onde imperava a insensibilidade, a ignorância, a burrice letrada e o servilismo genial e genioso dos temperamentais e intolerantes serviçais do finado coronel.
Tudo isso contribuiu para que milhões de pessoas morressem todo dia sumariamente pelas balas dos grupos de extermínio substitutos da polícia transformada em segurança particular, pela falta de atendimentos nos hospitais, pela letal ignorância servida nas escolas, pelas péssimas condições de vida nas periferias das cidades e do estado, pelo total abandono e descaso para com essas populações submetidas a todo tipo de violência e humilhação.
Agora basta uma Lei funcionar realmente em benefício da vida de qualquer pessoa, uma Lei que já garantiu a vida de milhares de pessoas e vai garantir a de milhões, uma Lei que, ao contrário de tantas outras, é realmente aplicada e com o seu efeito comprovado com mais de 50% de diminuição de mortes no trânsito causadas pelo uso de álcool por parte de motoristas viciados num copinho "inocente". Agora, em nome da "inocência" do copinho todo mundo quer tirar uma lasquinha da Lei em proveito de seus interesses mesquinhos e desavergonhados. Quer dizer que o happy hour é mais importante que vidas humanas? Que as festinhas de aniversário, de formatura, o vinho do padre, a caninha do compadre, são mais importantes que vidas humanas?
Puxa vida, tudo isso só vem comprovar como a Vida está mesmo desvalorizada nos corações e mentes de muitas pessoas, daí que essa outra Lei Seca, a Lei da Lágrima Seca, da total insensibilidade e cinismo que estava implantada aqui na Bahia realmente foi chancelada por uma boa parte da população que não dá o mínimo valor à vida humana, mas apenas aos seus interesses mesquinhos.
Como vou viver sem tomar a minha cerveja? Ohhhh, triste e hilário ao mesmo tempo. Ora, simples, respondo, mate-se, é o melhor a fazer, pelo menos o mundo vai se livrar de mais um imbecil. Pelo jeito, se minha sugestão fosse mesmo levada a sério, muita gente estaria comento suicídio nesse país porque não pode mais tomar a sua cervejinha nem tomar seu copinho de vinho nem sua dosezinha de uísque.
Devia haver uma Lei era para proibir o álcool de uma vez, o fumo de uma vez, assim como estão proibidos a maconha, a cocaína, o haxixe, o craque, etc, todas tão lesivas quanto o álcool que o pessoal não consegue ficar sem a sua dosezinha diária. Quer beber, não dirija.
Melhor não beber, evoluir de uma vez e abrir mão dessa muleta letal. Será que essa coisa tão simples é tão difícil assim de entrar na cabeça e no coração dessa gente já amortecida pelas drogas legais e ilegais da civilização do lucro, da ganância, da usura, da transformação de tudo e todos em produtos, em mercadorias prontas para aparecer na vitrine dos grandes negócios, esses que pagam fortunas para esse pessoal escrever coisas absurdas contra a legalíssima e ligadíssima Lei Seca autêntico salva-vidas à serviço de qualquer cidadão que não quer a vida despejada pelo gargalo da irresponsabilidade e insensibilidade dos serviçais do álcool e seus coronéis muito vivos!
Geraldo Maia
Poeta e abstêmio
E muito doido de cara.
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