A CARICATURA ESCONDE A CRIATURA - Berenice Heringer

Vendo essas altas autoridades sendo presas pela PF, como é o caso do desembargador, um major, o prefeito de um estado nortista no Brasilzão, a gente entende o que é uma persona dupla, o privado e o público trocando de lugar, escancarando-se. Se a imagem é falsa, trata-se de caricatura e os atos escondidos que vêm à luz são pantomimas. Mas o pantomimeiro é um artista. O indiciado, um vigarista.

A desculpa mais esfarrapada é negar, é fazer-se de vítima de alguma perseguição difamatória, caluniosa, e os safados advogados de defesa adotam essa linha perjuriosa que emporcalha o Direito. Por isso volto a rebater na nossa herança cultural e na tradição, mais fortes do que o DNA de um povo. Antes não analisava muito a tradição, pensava em hábitos e costumes, folclore, cultura popular. Mas agora, que pretendo esmiúçar e gravar minhas observações e conclusões sobre o nosso povão, vou cutucar jaguatirica com varinha de condão e mexer em caixa de abelhas com cotonete.

O tal de Gérson, que era um jogador de futebol, que até caiu no anonimato e no ostracismo, disse que "só entro num negócio para levar vantagem". Ele sumiu e o dito permanece como a lei de Gérson. O tráfico de influência é mais forte do que o poder e o dinheiro. É o que a tchurma evoluída chama de lobby. Eu, como sou da roça, batizo essa prática de compadrio. É um negócio assim: amigo meu só tem qualidade. Inimigo, se não tiver defeito, a gente arranja. Ah! O vizinho, o conterrâneo, o filho do fulano famoso, o cidadão honorário pela edilidade, todos viram personas gratas por simbiose e contaminação.

Você sabe com quem está falando? Isto é senha de ingresso (e saída) e permite furar fila...

Considero tudo isso como herança maldita da descoberta, colonização, escravagismo, lusitanismo. Dessa equação temos de excluir os imigrantes, não por serem isentos de culpa ou sem defeitos de caráter, mas porquanto foram uns perdedores, principalmente os alemães. Mesmo que eles tenham vindo para cá ao tempo do Primeiro Império (1824), à época da escravatura, foram tachados de nazistas, hitleristas, alemão-batata, tedescos-de- merda. A WWI estava longe na linha do tempo (1914-1918) e a WWII (1939-1945), longérrima. Como o poder constituido estava nas mãos dos portugueses, todos de sangue azul, detentores de comendas, insígnias, títulos nobiliárquicos, baronatos, condados, a Corte.

E se tudo isto não bastasse, eram os donos das sesmarias, das capitanias hereditárias, latifúndios, engenhos de açúcar, fazendas de café e de criação de gado, minas de ouro e pedras preciosas e de todo o contingente da mão-de-obra gratuita dos escravos. Mesmo que tais trabalhadores cativos fossem de outra etnia ou região diversa do globo que não a África, o status quo estava implantado, consolidado e eternizado.

A briga de foice no escuro entre sinhozinhos e escravos continua até hoje. A engambelação, o corrupio, a corrupção, a camuflagem, os atos furtivos, a omissão ou o bico fechado, pois quem abre a boca engole mosca. Isto tudo sem se falar nas missões jesuíticas de catequização, que doutrinavam mas não batizavam nem casavam os pretos, e eles não podiam entrar nas igrejas dos sinhozinhos brancos.

Quando o escravo alforriado ou liberto pegou o relho, ele fez uma sombrinha para dançar o frevo e nunca mais abriu mão da rede e das regalias que teve de conquistar na marra, na mandinga e no muque. 06/06/08

"O juízo gerador do contraste cômico é o chiste, que já interferiu na caricatura. O oculto ou o escondido surge pela analogia e se baseia no desconcerto e no esclarecimento, uma variação no mot d'espirit de formação inconsciente. (Sigmund Freud)