A arte do ouvir.

A arte do ouvir.

Dentro do ciclo evolutivo da vida me deparei com algo que chamou atenção, que até então não havia estabelecido uma certa coerência para mim, e , de fato, são poucas as pessoas que tem essa percepção tão importante nos dias de hoje, mas que escapa tantas vezes das aprendizagens indispensáveis da vida.

Quando criança existem dois anseios pelos quais os pais se debruçam a fazer os filhos aprenderem, andar e falar. É impetuosa a maneira com que isso é colocado, a dedicação que rege, a infinidade de coisas que são estabelecidas para que os primeiros passos possam existir muito além do famoso andajá.

Falar é uma apreensão sem tamanho, as vogais são separadas, tornam-se tônicas, graves, agudas, a fala se predispõe a qualquer ato desde que se possa estabelecer palavras.

Mas, para que isso ocorra, para que haja algo muito além do que o sonoro, é preciso ouvir. Na verdade o ouvir é a forma mais eficaz do aprender, escutar não. Existe entre essas duas palavras um distanciamento no que diz respeito ao falar e ao dizer, qualquer pessoa dentro da normalidade do órgão sensorial predisposto a tal função pode escutar a fala, e de tal maneira repetir, responder.

Ouvir vai um pouco mais além. Se conjuga com o dizer, nos remete uma maneira peculiar em saber posicionar cada elemento que lhe é pertinente naquele momento. É a coexistência de fatores múltiplos entre o externo e interno, por isto ratifico: ouvir é aprender.

Antes da fala - linguagem do imediato - aprendemos a escutar, as palavras só se tornaram familiarizadas para nós por que aprendemos a escutar o que nos estava sendo disposto.

A primeira palavra a ser pronunciada sempre causa euforia a quem escuta, sobre uma importante ênfase para mais um passo que está sendo dado na vida. “Meu filho aprendeu a falar”, é certo que sim. Quem escuta aprende com a fala, mas quem ouve aprende a dizer, e isto é uma arte.

Os ensinamentos quase sempre estão voltados para o falar, mas não para o ouvir. Os méritos estabelecidos ao ouvir poucos são citados, seu filho pode ter aprendido a falar, mas pouco se recordas que antes disso ele precisou escutar, seu filho pode ter aprendido a dizer, mas antes ele precisou ouvir...

Quantos significados poderíamos estabelecer pelo simples fato da escuta, pela maneira que nos posicionamos e nos dispomos a receber a fala, o discurso, o desabafo, a pergunta, as ditas “meras” palavras?

Tantas vezes falta paciência, dedicação, expressão, silêncio. Articulamos a comunicação como algo imprescindível - não estou por tirar os méritos - de fato, é indispensável, mas hoje em dia vem estabelecendo descaso.

Ouvir é um verbo forte que dispensa - por vezes- o sonoro. O silêncio é uma forma de dizer que - por vezes- dispensa as palavras. E salve quem pela primeira vez elaborou esta frase.

Tenho aos poucos aprendido a persuadir com o olhar. As palavras sempre me causaram empatia. Gosto de dizer, mas venho aprendendo a arte do ouvir, afinal, é preciso saber lhe dar com a palavra viva, não fugir dos seus significados reais, porque dizer é isto, é significado pleno, é poder partilhar do universo particular do outro sem ao menos tocar, mas sentir.

O olhar passa muito mais rápido o que se tem a ser dito. Olhar no olho é questão de transparência, sensibilidade, é satisfação em poder estar sendo ouvido, é saber sentir sem nada dizer que o que está sendo dito tem importância.

Hoje eu tive o prazer de poder ouvir as palavras vivas de um psicólogo que traduzir a importância do “ouvir”, através da escrita despojada numa folha de papel - assim como ocorreu com o mesmo - me fez enriquecer a alma, me fez aprender e a querer entender cada vez mais essa arte do ouvir. “É o ouvir que nos abre para o mundo e para os outros, e não o falar”.

Entretanto, esse contato a princípio incipiente, me fez estabelecer uma vontade aguçada de despojar-me aqui, entre essas letras, de aprender a dizer, a ouvir, de fazer com que estes dois atos se tornem cada vez mais insolúveis para mim.

Na verdade, o diálogo sempre foi algo indispensável na minha vida, mas, se me permite mais uma vez, concluo essa pequena exposição - melhor dizendo - satisfação, com um trecho do Roger e que isso seja a essência com que eu tenha que seguir. Pois bem, “creio que sei por que me é gratificante ouvir alguém. Quando consigo realmente ouvir, isso me coloca em contato com ele, isso enriquece minha vida”.

Que daqui pra frente eu possa aprender a calar antes mesmo de ouvir, que eu possa aprender a dizer antes mesmo de achar que já posso pronunciar. Pois ouvir verdadeiramente alguém é uma satisfação especial, e é gratificante poder sentir o próprio eu em contato com algo que é universalmente verdadeiro.

Se você conseguiu me OUVIR, desde já, o meu DIZER agradece.

Luana Ferraz