O porto

Tão silenciosa rua. Parece guardar restos de aldeia na paisagem entre renques de palmeiras. Tão silenciosa rua vai dar no porto. No caminho não há como fugir da leitura dos passos em busca da nova harmonia. Seguindo nessa direção existe a construção horizontal da paisagem perdida entre o mar e a lagoa. Ser, natureza, espírito. O grau da quietude se quebra no tatalar das asas de um pássaro. Fere a melancolia no repouso das enchentes.

O porto repousa abandonado na lagoa. Uma lagoa traiçoeira para navegação. Porto desamparado que jamais reconquistará a consciência histórica do seu engano.

- Ah! O Presidente da República ronda os interesses rurais pelas mãos dos caudilhos.

- Estrada de ferro, Manuel?

- Não! Queremos o porto.

A ferrovia era o que havia de elevada tecnologia. Mas se ergueu o porto. Ficou o erro. O porto sem sentido na lagoa de dois mundos.

Hoje recebeu pintura, reforma e inauguração. Sem transporte público que lhe alcance o povo fora levado gratuitamente em ônibus pré-pago para saudar a boa nova. O porto recuperado na forma com fogos de artifício, discurso, além das noções enfáticas de desenvolvimento. Tudo se pensa em criar para lhe dar funcionalidade, fruto do dinheiro social, menos a real vocação de mercado público como de costume na zona portuária. O poder público considera inviável vender a granel artigos de primeira necessidade. Querem teatro, museu, restaurante. Um rio de dinheiro novamente é despendido na maquiagem de porto que continua vazio. Sem reconhecimento da verdade do engano.

Desprovido de significado restrito sobra o silêncio sobre o troféu da vaidade. Triste, Manuel. Pelo menos fizestes uma escola grande na cidadezinha calma...

Segue o porto de poucos barcos, de pouca profundidade, de frio congelando na calmaria perpétua dos homens modestos. Os barcos mal podem fundear sem dragagem. Quem há de arriscar uma carga preciosa na lagoa de baixa profundidade? Somente embarcações anfíbias poderiam driblar as dificuldades práticas para grandes navegações. Sobram promessas de veleiros esportivos como pequeninas pinceladas brancas no azul. O esgoto e a sujeira química das lavouras de arroz deságuam na paisagem crepuscular. Silenciosamente. Até o câncer surtir não se sabe de onde. Até a podridão se tornar insuportável em meio aos palanques festivos. Que melhor seria se fosse um trem!