QUANDO EU MORRER
 
            Quando eu morrer, caso me seja permitido escolher, que seja repentinamente, de preferência com uma pontada no peito, não igual a uma punhalada a traição, mas como a que se sente quando atingido pela flecha do cupido. Quero morrer sorrindo, pois que após a dor aguda em conseqüência da pontada vem a serenidade e eu a quero estampada no meu rosto para que todos vejam que morri feliz, com a felicidade de quem viveu e amou.
Quando eu morrer que seja num instante mágico como o momento em que a noite se vai e o dia chega, com o sol clareando tudo com a aurora, os pássaros despertando e cantando felizes, e as flores exalando perfume para perfumar o dia. Que me vistam sem formalidades. Não quero paletó nem gravata, tampouco roupa social. Vistam-me com pouca roupa, podendo ser um short folgado e informal e uma camisa simples, de preferência do meu time de coração, o Vitória da Bahia.
Que acendam incensos de dama da noite e canela para perfumar o velório ao invés de velas. Adoro claridade e luz mas velas dão um aspecto tétrico e eu quero que as pessoas presentes velem o meu corpo sentindo perfume e serenidade. Toquem “Call it stormy monday” do B. B. King em som ambiente porque a música acalma e relaxa o espírito. Enquanto isso que alguém leia alguma poesia minha. Não quero ninguém chorando ou lamentando a minha morte porque ela é apenas uma transição entre o estado físico e o espiritual. Pensem que estarei bem ao lado de parentes e amigos queridos que já se foram antes de mim.
Não deixarei bens materiais mesmo porque nunca fiz questão de tê-los. Além disto não quero desavenças após a minha partida por causa de meu espólio. Deixarei entretanto minhas poesias, contos e crônicas como bem de maior valor, para quem os ler sentir a minha presença pois cada um destes textos faz parte de mim e invariavelmente os escrevi chorando tomado pela emoção. Assim, que escolham um deles e o guarde com carinho e ao sentir saudade de mim que o leia baixinho como se fosse uma prece, pois seguramente estará fazendo uma prece por mim. Quando eu morrer não coloquem em minha lápide: “Aqui jaz!”. Acho isto muito frio. Ao invés disto prefiro que o epitáfio seja: “aqui descansa um poeta que nasceu livre, amou e foi feliz”. Que sejam plantadas sementes de girassóis sobre meu túmulo para que ao crescerem esperem a luz do dia buscando o sol como sempre busquei.
Da mesma forma que espero inspirar pela última vez na alvorada, que meu invólucro carnal seja descerrado ao por do sol, pois todo poeta merece este momento mágico, quando o dia se vai com o sol sumindo no horizonte enquanto os pássaros se recolhem ao ninho entoando canções de ninar, como premio pela sua estada na Terra. E enquanto a noite chega em silencio quero que meus familiares e amigos queridos se retirem com minhas recordações sob a lua e as estrelas iluminando seu caminho, testemunhando o ocaso de um poeta.
 
* Esta crônica está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibida a cópia ou a reprodução sem a minha autorização. Visite meu site: www.ramos.prosaeverso.net 
Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 13/07/2008
Reeditado em 17/10/2009
Código do texto: T1078743
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