Entre tapas e beijos
Rir faz bem. Pensar também. Quando dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo, é melhor ainda. Para isso, o cronista lança mão das histórias. Algumas - as fábulas da vida real -, são criadas a partir de uma observação cotidiana. Em outras, carrega-se um pouco nas tintas do exagero para narrar um fato real. Poucas histórias já chegam prontas: na vida há muita ficção. Quem me contou a história de hoje foi o sargento Moraes, policial militar aposentado, anjo da noite motorizado que costuma trazer minhas filhas para casa no fim de festas.
Tão logo a viatura parou, na madrugada fria, os dois saíram correndo na direção dos militares:
- Foi ele quem começou.
- Não começa, Maria Alice. Foi ela, sargento.
- Grosso! King Kong!
- Grossa! Chita!
- Acalmem-se os dois, pra gente entender o que está acontecendo.
- Olha meu braço. Ele me agrediu, o covarde.
- Ela me bateu primeiro, a dissimulada.
- Ele atirou duas panelas em mim, sargento.
- Pena que eu errei a primeira...
Os dois militares tiveram que pedir calma, agora com menos calma.
- Um de cada vez. Temos que ouvir as duas versões.
- Que duas versões? Só tem a minha versão, a da vítima.
- A vítima sou eu, ora... Se acreditar nele, eu vou achar que vocês são farinha do mesmo saco. Homem sempre defende homem, que eu sei.
- Temos que ouvir os dois. Tá no Código de Conduta. Primeiro fala quem fez a denúncia no 190.
- .....
- ....
- Qual dos dois é Ivanir? A Central informou que Ivanir fez a denúncia.
- Ivanir é a vizinha do outro lado da rua ...
- Mas que falta do que fazer da Dona Ivanir, hein?! Metendo o bedelho na vida dos outros... Devia era olhar aqueles meninos dela, aqueles olhos vidrados não me enganam...
- Em vez de ficar intrometendo na vida da gente, vocês deviam autuar ela... Imagina incomodar a polícia por bobagem...
- A gente vai registrar queixa contra ela, isso sim!
- E a polícia, boba, cai na conversa de quem não tem o que fazer... Não sei quem é pior...
- Já que estão insatisfeitos, é melhor continuar essa história na delegacia.
- Opa, isso não! Ninguém vai levar minha mulher pra delegacia. Só por cima do meu cadáver.
- Que lindo, amor! Também só deixo levarem você no dia de São Nuncas.
- Em vez de ficar empatando a nossa vida, vocês deviam estar na rua prendendo bandido, isso sim. Que falta de prioridade, meu Deus!
- Vamos entrar, meu amor, deixa eles pra lá. Ta começando a chover, você pode ficar gripado. Vou te fazer um chá de limão quente. Vem, querido.
Pergunta se o casal convidou os policiais para o chá. Entraram abraçados, ignorando a presença dos dois. Pergunta se Ivanir deu as caras para oferecer, pelo menos, um cafezinho. Claro que não: ela sabe, Sgt Moraes, que em briga de marido e mulher não se mete a colher...
A gente demora, mas um dia aprende.