Madrugadas não medíocres
Às vezes não tenho personalidade alguma. Em outra ocasião escrevi: “Sou um misto de anjo e demônio...”. Só me aquietarei quando puder dizer o que penso a respeito de mim mesmo, autodefinir-me com a lisura própria dos homens de boa-fé.
Atualmente revejo minhas origens. Converso por cartas, "e-mails" e telefone com parentes mais velhos e amigos de minha família. Reúno todas as testemunhas sobre a antiguidade que envolve o meu passado. Organizo todas os discursos que pronunciei em favor de causas célebres, releio meus escritos da infância e adolescência. Quantos erros e futilidades! Quanta inocência e mediocridade.
Mais do que nunca me ocupo febrilmente do direito augural, intertemporal, pontificial, civil e criminal. Devasso as ordenações que antecederam nossa legislação jurídica, as quais acompanharam a corte real quando aportaram em nosso, ainda hoje, tão sofrido Brasil no ano de 1508.
Aproveito o tempo de lucidez que me resta. Enquanto não embarco no trem dourado. Mantenho-me deveras muito ocupado, estudando desde as quatro horas, todos os dias, sempre às madrugadas e enquanto a maioria dos que pensam saber algo dorme a sono solto. Penso dessa forma superar meus limites e dificuldades de apreensão.
Quando escrevo evito o concurso oral, pois sei ser essa uma porta aberta às mediocridades. Não negligencio o estudo sistemático de outros idiomas, literatura diversificada, ciências: Matemática, Física Quântica, História, Geografia, Medicina, Informática, Botânica, Zoologia... e, para exercitar minha memória ainda não totalmente combalida, nas madrugadas, enquanto a maioria dorme, procuro me lembrar de tudo o que fiz, disse, li e ouvi no dia anterior.
Sou de fato mais que um autodidata. Sou recalcitrante, determinado, otimista, intimorato. Embora envolvido, convivente, demasiado femeeiro, pelo fato de me deixar, ainda, seduzir por algum tipo de afável e necessária, enquanto encarnado, mediocridade.
Eis como mantenho meu espírito alerta, eis a ginástica a que submeto minha inteligência, a qual já dá sinais de enfado pela mediocridade que me volteia! Divirto-me e aprendo mais ainda sobre os mistérios da mente humana quando me escrevem ou conversam comigo.
Destratam-me, pela Internet, em Inglês, Francês, Espanhol, Italiano e até com o uso de um Português chulo, pouco afeto ao meu cotidiano e adverso ao aprendizado extravagante, às vezes, medíocre a que me imponho no dia-a-dia raso da vidinha anônima. Tenho a absoluta certeza que para muitos sou um indivíduo obscuro, sem nome ou renome, sem eira nem beira.
Aborreço-me, claro. Contudo, fico alegre ao identificar que entre mim e os outros há o gigantesco abismo do inexplicável! Percebo que algumas pessoas falam a menos ou demais, são tediosas, estúpidas; outras são ignorantes e indiferentes com o progresso profissional e o estudo.
Sinto ojeriza a quem ilude ou se engana, é desleal. Sofro com as que caluniam e/ou tentam se aproveitar das pessoas e animais, dos mais fracos e oprimidos. Não aceito os desmandos e rebeldia dos mais jovens, mormente quando usam de subterfúgios escusos, falaciosos.
Não preciso dizer que isso parte de pessoas desprovidas de famílias estruturadas, com problemas de afetividade, levianas e como bem escrevi há algum tempo no texto "Traição":
"... São pessoas que se caracterizam pelo azedume não apenas de suas palavras, mas principalmente pelo acentuado desvio de caráter que se manifesta quase sempre pelo sentimento de perda ou de incompetência diante dos desafios que se lhes apresentam...".
Assim caminha e procede a humanidade, desse modo vivencio a mediocridade, ópio e maquinação vergonhosamente escusa dos ímpios.
Suando e me esfalfando, desse modo, mantendo o peso corpóreo estável há trinta e sete anos, não me ocorre pensar em me lamentar sobre o declínio das forças físicas. Minhas amigas, reais e virtuais, podem sempre contar comigo no que diz respeito às suas necessidades espirituais, orgânicas e econômicas, mas posso contar com a compreensão delas? Como superar as diferenças de hábitos, usos e costumes?
Como satisfazer anseios materiais se tenho verdadeira ojeriza ao poder, às manipulações aureoladas por interesses comuníssimos, falaciosos, levianos, medíocres, sem relevos dignos e escusos?
Quando eu não mais for capaz de filtrar, através de um processo seletivo e natural as ofensas, perdoar os destemperos emocionais, as interpretações extensivas do que falo ou escrevo, conversar com as crianças, idosos, mendigos, plantas e animais; compreender anseios alheios; sorrir tal qual silvícola diante de um brinquedo recebido; distrair-me resolvendo equações diferenciais complexas; aprender os mistérios que movem os interesses da humanidade; visitar pessoas excepcionais, compreender as causas do ciúme, inveja e despeito; cortar cabelos e unhas dos que têm dificuldades para fazê-lo; quando, enfim, eu não mais aceitar a nobilíssima missão que me foi confiada pelo arquiteto do universo, compreenderei ter chegada a hora de associar-me à mediocridade.
Sem receio de parecer ou querer alardear invirilidade afirmo que a velhice possui a dádiva de nos poupar do que a juventude tem de pior: a calamidade do prazer do sexo sem afetividade, a busca desenfreada da volúpia, da paixão possessiva e sem controle.
Dou meu testemunho (vivenciei nos corredores forenses do Rio de Janeiro) de que não há um crime, uma prevaricação por menor possível sem a inspiração da concupiscência ou desmesurada valorização da matéria.
É por causa desse apego à luxúria que se cometem violações, adultérios e outras torpezas em forma de vilipêndio e ofensas graciosas, próprias dos defensores da protérvia e má-criação.
Outrossim, afirmo ainda: se a inteligência ou utilização de razões arguciosas constitui a mais bela dádiva da natureza ao homem, o instinto sexual, desprovido de amor, animalesco por índole, é seu pior flagelo.
Onde reina a devassidão e anseios da carne pela carne não haverá lugar para a temperança; onde o prazer triunfar, a virtude não poderá sobreviver. O leitor não compreende o siso mais lógico? A mediocridade, tal qual nevasca ante a chegada do rei sol um dia perecerá!
Explico, sem discordar da importância da vazão de energias através dos arroubos carnais: imaginemos um homem ou mulher no auge da excitação voluptuosa. Poderia esse assemelhado a um animal irracional, nessa ocasião, formular um pensamento sensato?
No estado de extremo gozo pode o ser humano refletir ou meditar logicamente? Não! Por isso não se pode negar que obscurece totalmente esse estado enaltecido da mediocridade o comportamento abjeto do ser medíocre.