Èérú-Ìyá! Odó-Ìyá!


         
Ontem, 2 de fevereiro, teve festa no mar sagrado de São Salvador da Bahia. 
      Uma tarde esplendorosa permitiu que filhos e filhas de Iemanjá fossem à enseada do Rio Vermelho saudar, no seu dia, a rainha das águas doce e salgada.
     Para sua espontânea louvação, levaram, para o Orixá mais querido, viçosas palmas de Santa Rita, e uma infinidade de pequenos presentes: bonecas, espelhos, pentes, pulseiras, broches, gargantilhas, colares, perfumes, e sabonetes cheirosos. 
       O pessoal do Candomblé jura, que Janaina é muito vaidosa.
     Cumprido o ritual, inflexível, mas muito bonito e muito alegre, as bugigangas foram lançadas ao mar, a uma distância de seis quilômetros da costa.
     Reza a lenda, que se essas oferendas, as ondas não as devolverem à praia, é porque Iemanjá as aceitou. 
     Agradecendo, o Orixá das águas dá aos pescadores, o ano inteiro, um mar com muito peixe.
     Não acredito muito nessa história. 
     Mas sempre torço para que Iemanjá não rejeite um só presente. É a garantia que tenho de que, na Semana Santa, não faltarão robalos, badejos, cavalas e vermelhos para minha irrenunciável moqueca, regada a um bom reserva chileno; ou a um vinho do São Francisco, alí de Petrolina, tão saboroso quanto.
     Como a tarde estava pra lá de bela, desliguei meu computador, calcei meu surrado tênis, botei minha bermuda branca, vesti uma camisa leve, e, assobiando Caymmi, iniciei uma caminhada pela orla, que fica perto de minha casa, mas bem longe do Rio Vermelho, onde a farra corria solta.
      Por onde andei, o mar estava sereno. Alguns barcos de pesca bailavam, presos a ancoradouros improvisados, aguardando seus timoneiros que, certamente, estavam na fuzarca do Rio Vermelho.
      Embora o dia fosse de muita e ruidosa festa no mar, um surpreendente silêncio dominava o pedaço de orla que eu elegera pro meu passeio vespertino. Dava para se ouvir o sussurro rouco do Atlântico!
     Quando voltava para casa, curtindo intensamente o encantador crepúsculo de Salvador, dei uma paradinha numa colônia de pescadores. No chão da colônia, peixes de todos os tamanhos procuravam fugir das redes que os apanhara, em dia de excelente pescaria.
     Um dos pescadores, apontado para um exuberante vermelho, confidenciou-me que Iemanjá parecia não ter recusado os presentes que o pessoal do Rio Vermelho vinha lhe ofertando, "desde as primeiras horas do dia 2".
     Aplaudi seu exagerado otimismo, e lhe disse: Que bom! Que bom" Assim, minha moqueca, na Sexta-feira Santa, estará assegurada. 
     E ele, sorridente, encerrou o papo, com esta observação: "Que Oxalá te oiça, Ioiô..."

     Sob a luz das primeiras estrelinhas que, elegantes, iniciavam seu desfile pelo céu da minha Pituba, voltei ao calçadão, para concluir minha caminhada.
       Èérú-Ìyá!
       Odó-Ìyá!
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 03/02/2006
Reeditado em 28/10/2020
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