OUTONALIDADES
OUTONALIDADES
Embora o dicionário da língua portuguesa não nos dê uma tradução definitiva da palavra outonalidades, podemos deduzir, ou dar-lhe uma tradução: tons outonais, cores de outono, ou palavra outonalidades, pois esta soa melhor aos nossos ouvidos, é mais poética, tem maciez de pétala de flor desfolhada, perfume de goiabada madura caída do pé, cheiro de feno seco no celeiro ainda recém colhido, empresta cor às cores que vão se desbotando com a chegada da estação outonal
A primavera, símbolo de vida nova, alegria, festa multicor, é sempre esperada e festejada com doce euforia e, com toda a razão, mas o outono...
O verão, de igual modo é festejado, especialmente nos climas onde as horas de sol são minguadas, onde o clima é menos quente, e as pessoas aproveitam para expor seus corpos seminus ao bafejo, às carícias do sol, ou banharem-se nas águas do mar ou dos rios, usufruindo as delicias que a mãe natureza nos oferece e, de graça
O inverno, por ser estação monocromática, chuvosa, e fria, é certamente a estação menos apreciada pela grande maioria das pessoas, apesar de ter também seus encantos se soubermos apreciá-los; por exemplo, a imaculada brancura da neve cobrindo toda uma montanha, ou ao redor da lareira ao som do crepitar do fogo, recordando quem sabe com saudade os tempos da família inteira ali reunida nos longos serões das frias noites, quando nossos avós nos contavam histórias de antanho, e, já sob as cobertas de lã, que se faziam maciez de arminho, para acariciar nosso sono e nossos sonhos.
Mas o outono, é o tempo que nos deixa grávidos de ternura. Seu clima temperado, a folhagem das árvores pintadas em cambiantes tonalidades; o canto de despedida das cigarras, talvez já saudosas do verão; o ar de recolhimento que perscrutamos na natureza; o sol agora já mais ameno e mais amigo; e a chuva tantas vezes esperada, como uma bênção do céu há de cair sobre as matas, os campos e as cidades.
Toda esta sinfonia alegre, mas de suaves movimentos, de estação madura, nos dá uma sensação de relaxamento e de paz interior indizível. Mesmo quando se aproxima de seu final, quando o vento mais forte carrega as folhas das árvores que vão caindo, ainda assim, essa suave melancolia, nos mostra a outra face da poesia, o vaivém do bailado das folhas desprendidas à força, da mãe árvore, para finalmente se aquietarem sobre o solo úmido onde serão transformadas no húmus, que há de dar novo vigor à terra, onde novas vidas brotarão quando voltar a nova primavera.
E, o homem, por ser um microcosmo, guarda em si, esta divisão ou multiplicação de transformações: a infância, a mocidade, a maturidade e, por fim a velhice. O homem ano, o homem quatro estações.
Talvez porque já tenha atingido o outono da vida é que me sinta assim imbuído deste sentimento que canta outonalidades. Nesta estação da vida não somos tão escravos dos desejos chãs, ainda que os tenhamos sabemos agir com discernimento, mais cérebro e menos paixão, serenidade e talvez mais dignidade. Assim, a vida, pode ser festejada, não importa qual a estação.
Não importa se com dezoito anos, se com cem anos. Importa é saber viver, como se cada dia fosse o primeiro dia de nossas vidas; com a consciência leve, de maneira que o nosso travesseiro seja antes a carícia amiga onde possamos repousar nossa cabeça, e renovar nossas energias para o dia seguinte, e não o carrasco acusador. E, assim, quem sabe, ainda poder sonhar com sonhos como dos tempos da nossa inocência, quando íamos pra cama sob o encantamento das histórias de nossos avós.
Do Livro, O Farol Ao Longe- 2007
Eduardo de Almeida Farias