Muquifo
Criei involuntariamente o hábito de tirar um cochilo, entre as 18 e 20h.
Nada maior que uns 20 minutos. Só para relaxar mesmo, descansar o esqueleto, como dizia minha sábia avó.
Coitada, morreu dormindo.
Pois foi assim que tirei os sapatos ontem e me deitei na cama, do jeito que estava.
Tinha deitado de lado, olhando para o lado esquerdo.
A porta meio aberta do guarda-roupas, os olhos meio abertos da preguiça, passearam por um monte de roupas por passar.
Aquilo me incomodou. Tinha até umas caixas soltas lá dentro.
Acho que seria necessário uns dias para passar tudo aquilo, pensei.
Minha vida, meu coração, minha casa.
Virei-me para o outro lado, querendo dormir.
No canto umas sacolas de supermercado entupidas de roupas velhas. Daquelas que a gente junta, junta e depois fica com dó de dar, mas acaba dando pro filho da filha da vizinha, da empregada da vizinha...
Aliás, falando em dar, empregada sempre leva alguma coisa da patroa. Às vezes leva também do patrão.
Minha casa, meu coração, minha vida.
Deitei de barriga pra cima. Eu queria dormir.
O cansaço já pegava pesado pelo hábito.
Semi-cerrei os olhos, até com certo medo de ver mais alguma coisa que me tirasse o sono.
Aquela luz acesa no teto era a última no lustre de 3 lâmpadas.
Duas estavam queimadas, pretas e essa última toda coberta de poeira e fuligem. Aquilo me irritou e se somou ao barulho da torneira que pingava na pia de inox da cozinha. Foi literalmente a gota d’água.
Enfiei os pés no meu Rider, já meio rasgado, e parti como um animal enfurecido para a cozinha.
Nossa!!! Tinha uma enorme barata lá, paradona. Ao nos vermos, saimos correndo, cada um para um lado.
Criei coragem e voltei. A pia tinha umas louças e panelas de uns dois almoços vividos.
Meu coração, minha vida, minha casa.
Pego a esponja na mão direita, o frasco de Ypê na mão esquerda, já ia entornando o detergente, ouço:
Tam, taram tam tam...ouço aquela música típica do Jornal Nacional.
Era um aviso, minha felicidade iria começar. Iria ver presos, como bandidos, o Celso Pitta, Naji Nahas e Daniel Dantas. Imagina, três ricaços sendo levados pro xadrez. Isso era a glória.
A felicidade do pobre é ver os ricos presos, porque nós sabemos que cadeia não foi feita só para pobre, preto e puta.
Eu comemorei mesmo.
Eu comemorei mesmo.
Corri até o quarto, sentei-me na cama, e saboreei aquela visão.
Não importa que sejam soltos no outro dia e que continuem errando de novo, mas naquela noite, como eu, iriam dormir num muquifo.
Minha vida, meu coração, minha casa.
O prazer me acalmou, recostei na cama.
Acordei agora, 7,30 da manhã e tenho que correr, meu patrão não aceita atraso.
Quando eu voltar à noite e depois do meu cochilo, passo a roupa, dou as sacolas, limpo o lustre, lavo as louças, mato a barata, pois
eu amo minha vida, meu coração, minha casa.