PARABÉNS PRÁ VOCÊ

A mulher era uma máquina, não parava nem pra pensar – diziam os mais chegados .

Saída do banho, por sobre o corpo apenas uma toalha, caminhava a mulher em direção ao quarto de vestir; colocado de forma cuidadosa, em cima da poltrona, um modelo elegante de grife famosa.

Estava ela agora diante do espelho. A ocasião exigia uma boa produção. Lá embaixo o clima era de festa, espalhados pelo salão, marido, filhos, netos, genros, parentes, amigos, aguardavam sua presença. Era o seu aniversário. Cinqüenta e cinco anos fizera no dia de hoje. A imagem refletida no espelho não era de uma mulher feliz, pelo menos naquele momento não era. Apreensão, talvez. Tinha lá os seus motivos. No dia anterior estivera com seu médico, aguardava o resultado de uma biópsia e as perspectivas não eram lá muito animadoras. O fato ainda não era do conhecimento da família.

Saúde, doença, seus cinqüenta e cinco anos de idade..., tudo isso passava por sua cabeça e como hipnotizada pela própria imagem, num gesto automático deixou cair aos seus pés, a toalha que a envolvia e o seu corpo nu projetou-se no espelho. Seus olhos ávidos e curiosos passaram a vasculhar o seu corpo, como se estivessem buscando na imagem as marcas da velhice que chegava. Estampada estava. Já não havia mais naquele corpo linhas delineadas e, feito terra, sofria o processo de erosão, a pele perdendo a elasticidade e a flacidez formando os seus sulcos.

O que fora feito de sua beleza, de suas formas, da rigidez de suas nádegas, do busto...? Sim, os seus seios... outrora tão decantados por sua exuberância e que hoje não passam de uma ameaça pelo nódulo cancerígeno, talvez, que um deles carrega.

Como doía tudo aquilo... E a mulher acercou-se da bancada onde quantidade de cremes , máscaras de beleza estavam à sua frente. Meio alucinada e de forma sôfrega passou a esfregar com força por todo o corpo todos os produtos de beleza ao seu alcance. E se mascarou de branco.

Braços retesados , apoiados na bancada, ela agora fitava uma imagem patética, e falou alto: “ é, mulher, parece que a batalha terminou, reconheça que é hora de depor as armas, sabes ao menos quem nesta batalha inglória é teu inimigo? Mas, diga-me, mulher, o que fazer com esse desejo de continuar vivendo? Já reconheces que estás enxergando o pôr-do-sol e que os teus dias claros já se foram? Mulher, mulher... pelo jeito, difícil será entregar ao “vencedor” os louros da vitória.

E feito palhaço depois do espetáculo, pôs-se a retirar do seu rosto a máscara que o cobria e de forma mecânica iniciou uma outra, que a fizesse bonita e escondesse as marcas do sofrimento interior.

De pé, no topo da escada, a figura elegante e sorridente da mulher. Em coro, marido, filhos, netos, parentes, amigos começaram a entoar: PARABÉNS PRA VOCE NESTA DATA QUERIDA MUITAS FELICIDADES MUITOS ANOS DE VIDA...

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 11/07/2008
Reeditado em 12/07/2008
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