Solilóquio de uma Perereca
Solilóquio de uma Perereca
Ana Esther
Que absurdo. Eu que me considerava uma perereca normal, bem resolvida, totalmente centrada, de repente surge esta agonia. Uma ansiedade crescente, mania de perseguição. O Dr. Pererekovsky me disse que estou ficando neurótica...
Tudo começou quando o dono da casa onde eu durmo resolveu, do nada, virar pintor. Até aí tudo bem, o problema é dele e das pobres criaturas que forem ‘apreciar’ os quadros dele! Contudo, a tragédia começou a me afetar quando o pintor de meia-tigela se inspirou em MIM! Inventou de fazer uma exposição com obras baseadas nesta Perereca que vos fala. Desde então não tenho mais sossego.
O danado descobriu o meu hábito (segundo o Dr. Pererekovsky é um hábito normal das pererecas saudáveis) de retornar sempre ao mesmo lugar para dormir. Eu adorei me acomodar nos vidros da porta de trás da casa do pintor aspirante, é um lugar dos mais aconchegantes. Mas agora que o cara resolveu me perseguir está um caos. É uma sensação desconfortável a gente se tornar um modelo involuntário para as pirações alheias. Ele fica me observando horas e horas. Então faz uns rabiscos na tela, reclama, chega mais perto de mim, torna a desenhar e quando finalmente gosta do que traçou começa a escolha das cores... Aí ele vira maluco, me encara de perto examinando cada milímetro do meu corpo esguio. Uma invasão de privacidade muito indecente.
Piora tudo quando ele chama a professora dele para ‘conferir’ o andamento da obra. São quatro olhos fixados em mim sem o menor escrúpulo. Não é de se admirar eu ter ficado paranóica, neurótica, doidona. O miserável ainda tirou uma noite para me fotografar. Vê se pode! Sem a minha autorização. Diz que é para poder comparar suas telas com o ‘original’. Ridículo.
Minha sensação de perseguição aumentou quando uma doida maior ainda teve a brilhante idéia de escrever uma crônica sobre a Perereca (eu!) musa inspiradora do pintor... A invasão atingiu os meus pensamentos –não dá para agüentar.
Dr. Pererekovsky, me ajude! Esses humanos querem acabar comigo!
*Esta minha crônica foi publicada no jornal literário Letras Santiaguenses n.75 Maio/Junho 2008, pág.03.