Da vida dos assessores parlamentares

DA VIDA DOS ASSESSORES PARLAMENTARES

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 09.07.2008)

Dizem que a primeira coisa que um assessor parlamentar tem que aprender é que o nome da sua função não é açesor - por mais que o chefe insista em escrever deste modo - ele sempre se confunde mesmo com os "ss" e o "ç". Esta é uma das razões pela qual ele precisa montar uma assessoria. No fundo, é fundamentalmente por isso, pelo desconhecimento de uma série de coisas, que ele necessita de um gabinete povoado de servidores - tantos mais quanto maior for o volume da sua ignorância.

Sejamos claros, posto que a clareza, supostamente, evita mal-entendidos. A palavra ignorância está usada, aqui, na primeira das acepções que o "Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa" lhe confere, como sendo o "estado daquele que ignora algo, que não está a par da existência de alguma coisa", muito embora algumas pessoas insistam teimosamente em dizer que o mais correto é o segundo sentido dado ao substantivo, ou seja, o "estado daquele que não tem conhecimento, cultura, em virtude da falta de estudo, experiência ou prática". Não sei. Ignoro a verdade, este é o ponto.

O fato incontestável é que a vida dos assessores parlamentares é um inferno. A começar pela singela circunstância de não terem estabilidade no emprego, apesar de serem, de certa forma, funcionários públicos. Tampouco têm horário definido de trabalho, pois precisam estar disponíveis, em função dos compromissos, horários, projetos e demais interesses do chefe, nas horas mais estapafúrdias do dia. O salário é outro mistério, ou melhor, outro tormento: do que ganham (eles dizem: do que percebem), parte vai para o partido político do chefe (ao qual precisam estar necessariamente filiados) na forma de mensalidade, parte vai para a Igreja do chefe na forma de dízimo (é de bom gosto "pagar o dízimo segundo o costume", lembram?) e parte vai para o chefe mesmo, em pessoa, que paga 100 (com o tesouro público) e toma 50 (para o seu próprio tesourinho) porque assim ele quer que seja. Com tudo isso pesando-lhe às costas e ao bolso, o assessor parlamentar enfrenta uma fantástica dificuldade para constituir família e, até mesmo, para estabelecer uma relação sentimental mais ou menos estável.

Mas há vantagens no exercício do posto, claro, e se assim não fosse não mais existiriam assessores parlamentares no mercado. Um dos assessores do gabinete de um vereador, deputado estadual, deputado federal ou senador da República, costumeiramente conhecido pela alcunha de escritor-fantasma, redige todos os discursos, relatórios, pareceres, notas oficiais, declarações, pronunciamentos e respostas a entrevistas - não raras vezes as entrevistas completas, com perguntas mordazes e respostas inteligentíssimas - do chefe. Com isso, tem a invulgar e feliz oportunidade de colocar as suas próprias idéias na boca do parlamentar e, se a idéia for muito boa ou muito idiota, amanhã fatalmente será manchete de jornal.

Outro benefício associado à função de assessor parlamentar é o desenvolvimento da capacidade de negociação, especialmente de negociações financeiras complexas, as quais, por despeito (porque delas não participam), uns poucos as rotulam, por vezes, de "negociatas". Desta maneira, sempre sobra algum para o dedicado e discreto assessor.

Por tudo isso é que Manoel Osório decidiu, até por desfastio, trilhar a carreira de assessor parlamentar. Quando parecia a todos que ele andasse sumido, a verdade é que escolhia criteriosamente o futuro vereador em quem investir. Hoje, encontra-se por aí, em frenética campanha visando as eleições municipais de outubro próximo.

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Da Importância de Criar Mancuspias", crônicas)