Indo ao Céu com Simon e Garfunkel ou Delírios 1

"I’ve got nothing to do but smile”. Como uma lagartixa chocando ao sabor daquele sol de inverno. O dia é amarelo. Eu me aqueço. “The only living boy in New York”. Mas estou sozinho. Falta você para sentir comigo aquilo que sinto. A música continua. Traz arrepios: sinto algo gostoso nisso. Deliro. Ainda conscientemente. Quê merda. Vem você. Venha logo, meu Deus. Quero delirar contigo. Quero subir. Inconsciente. Quero prazer. “Half of the time we’re gone but we don’t know where”. Quero que seja um sonho eterno. Estou sozinho. O prazer existe. Mas falta algo. Sol quente de inverno. Quentinho gostoso. Aqueço-me. Grama, colina, pastagem. Se a gente pudesse achar algo assim. “Here I am”. Delírio. A gente quase não fala. Apenas vê, sente, ouve. Simon e Garfunkel deram um pouco deles pra gente. Estamos longe da multidão. Essa ilha é só nossa. Nadamos. Vamos dançar. Estamos nus. Estamos nós. Entrego-me todo. Não penso em nada. Não há diferença entre nós e as crianças. Nossas crianças. Vamos ajudá-los a nadar. Não há carros nem polícia. Nada. Cheiramos a natureza e cheiramos à natureza. Esse cheiro de mato gostoso. Acho até que a maconha não iria ajudar muito. Já estamos em delírio. Mas vamos incrementar mais. Vamos. Vamos subir mais. “I’ve finally got a hiding place”. Escondo-me em você. E você em mim. “Let us be lovers, we’ll marry our fortunes together”. Esse momento é mais que uma vida. É uma outra vida inteira. Somos irmãos. Amantes somos. Animais somos. Banana. Voltamos. Ainda não acabou. Vamos nos condicionar sem estarmos totalmente condicionados. “Laughing on the bus”. Você e eu. A estrada agora cheia de carros. As casinhas lá fora raras e pequenas. “She read her magazine”. Quanta coisa bonita. Saltamos. Chegamos. Acabou? Você se foi. Volta? “Why don’t you write? I’m out in the jungle”. Até você voltar. Simon e Harfunkel me levam pro alto mais uma vez. Estou sozinho. Mas ainda assim é legal. Você vem? Vem logo. “A letter would brighten my loneliest evening. Mail it today if it’s only to say that you’re leaving me”. E quando você chegar. Vou fazer uma canção pra você. Vou cantar algo. Vamos a um apartamento. Na mesma sala música, bebidas, maconha. “Bye, bye love. Hello loneliness. I think I’m gonna cry”. Vamos chorar, sim. Mas de alegria. Ou de tristeza. Vamos misturar tudo. Vamos inexistir existindo nessa festa. Na sala do apartamento. Não tem hora de acabar. De manhã cedinho saímos e não voltamos mais. Estamos na França, Nice. Temos muito pouca coisa dentro da cabeça, a não ser a vontade de querer viver. Saímos do mundo? Sim, é isso. É isso o que quero. O que queremos. “O mar quando quebra na praia é bonito”. Pé de maçã. Goiaba. Itacurussá. Quero ter um filho. Você vai me dar um. Ele vai sumir depois. Seremos crianças como ele? Sim, seremos. “Toss me a cigarette”. Voltamos outra vez. Quero ouvir coisas de dentro de você. Puras. Você quase não fala. Seu olhar diz tudo. E aí vem o que você gosta mais. E eu te aprecio. Teus olhos vermelhos. Teus cabelos lisos e longos. Quero passar um dia todo tratando de você. Sou teu dono. Now, you. Viajou. As lembranças de você. Não quero saber quem sou. Não quero saber quem você é. Quero só saber da sua figura, que ela existe, para ela e para mim também. Quero você. Saber que você é aquela coisa sem a qual é chato a gente ficar. Quero você para vício, de você dependo. Quero você para dona e irmã. Irmã eterna que partiu, mas volta. Suas coisas bonitas quero saber. Do que você gosta quero gostar. “I’m empty and aching and I don’t know why”. Quero ouvir suas canções. Quero brincar de jogar areia do mar em você. Quero subir toda vez que você subir. Quero me perder em você. Quando estivermos juntos a vida deve ser diferente, deverei ter saído do mundo.

Rio, 19/09/70

Texto produzido a partir de uma audição do menorável disco "Bridge Over Troubled Water", da dupla Paul Simon and Art Grafunkel