Por entre cores

Amigo me veio falar que ninguém, ninguém mesmo, até hoje, entende um amor que ele sente. Sem paralelo pra realidade das pessoas do mundo dele é como ele diz que é esse amor que, da história toda, eu nem sei. Só sei de partes: quando, volta e meia, o danado volta a atormentá-lo; quando a inaceitação do não mais existir reciprocidade vem à tona, ele volta a me contar.

Pois mesmo sabendo apenas dos pedaços, eu disse a ele entender desses não-paralelos na realidade das pessoas do nosso mundo, disse ainda que muitos dos meus sentimentos – os de amor, os de outras coisas que não chegam a ser amor e os que vão além – são assim, sem escoro na realidade das minhas pessoas. Foi o que eu me dei conta outro dia, quando destrinchei a história de uma viagem que fiz.

Foi pra Salvador a viagem, quando flanei durante quatro dias pela cidade. Conheci as cores do Pelourinho, a imensidão de tanto mar que tem lá, a altura do elevador Lacerda, o aconchego do Corredor da Vitória, o largo horizonte que se vê do Farol da Barra, a fácil expressão das gentes de lá, os sons que a cidade faz inspirar, os sobe-desces das ruas, os becos, a estreiteza das ruas, as rotas e os rumos. Lá, as largas e longas avenidas acolheram o meu olhar além, e o emoldurado que os morros dão à cidade me serviram de guia.

– Respirei bem em Salvador, mas eu queria ter conhecido Salvador em forma de gente...

– E como é isso?

Então foi quando eu desdisse o que eu disse. Falei que nem era nessa dimensão que queria eu conhecer Salvador, não era nessa dimensão de cidade que Salvador é. Eu fui pra me perder não, eu fui querendo me achar, querendo conhecer uma Salvador abraçável: numa dimensão cabível num só corpo. Eram as cores dos olhares, as alturas dos vôos desejados, o aconchego dos abraços, a expressão dos sorrisos, dos gestos, os mais bonitos sons que se faz da voz ou no violão. Era nas ruas mais estreitas, nos becos mais sem saída, na Salvador construída nos dia-a-dias de um certo ele que eu queria andar.

Contando assim em palavras escritas parece até fácil de entender, mas pra fazer alguns entenderem, tive de inventar uma metáfora do pôr-do-sol em que o sol se escondendo atrás do mar era Salvador em cidade e as cores com as quais o sol se escondendo atrás do mar pintava o resto do mundo era essa outra Salvador cabível num só corpo...

– Entendeu?

– Entendi, mas qual o problema?

– Você sabe andar por entre cores?

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 02/02/2006
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