A passividade do homem moderno: um retorno à Idade Média?

Gil Vicente, mestre da dramaturgia medieval portuguesa, representou em seus autos e farsas a passividade da sociedade perante atos amorais, absurdos e negligentes.

Infelizmente, desde aquela época o homem assistia a tudo sem agir, de modo passivo e sem questionamentos diante das atrocidades que já permeavam o mundo, e, Gil Vicente, brilhantemente, trazia tais contextos sociais para suas obras como forma de despertar nas pessoas críticas e sabedoria.

A sociedade, ainda hoje, quinhentos anos depois, continua passiva. É atualíssimo abordar o teatro vicentino para um jovem, pois ele vê exatamente o que acontece no mundo que o rodeia, diariamente, ao ler o jornal ou mesmo ao ligar a televisão. Como o caso do menino, de três anos, assassinado covarde e tristemente por policiais no Rio de Janeiro.

A população assiste a tudo com indignação, mas nada faz para mudar. Vemos os jornalistas anunciarem, alguns se manifestarem, mas nada é modificado, transformado. O que há com a nossa polícia que mata para depois perguntar? Como remediar a morte de uma criança inocente, que mal conhecia o mundo e tampouco tinha contato com a sórdida violência do mundo? O que dizer para seus pais, avós, parentes e amigos? Como consolá-los diante do inconsolável?

As pessoas parecem estar anestesiadas com a tragédia e agem de modo passivo, sem atitudes, sem comentários. Afinal, para que comentar algo tão negativo e tão desastroso? Para que sofrer com o sofrimento do outro? Na Idade Média, a humanidade teve o privilégio da existência de Gil Vicente, que procurava representar tais atos por meio de suas obras. Mas qual o privilégio do homem moderno? Onde estão os autos e farsas da sociedade atual? Onde estão as ações?

Vivemos numa democracia, mas o que vemos é uma sociedade repressora, atônita e inerte perante as tragédias; um coração tão endurecido e distante de fatos, que trazem, novamente, nosso amado mestre Gil Vicente a esse mundo, fazendo a nossa Literatura tão Moderna quanto à Medieval.

Lucifrance Carvalhar
Enviado por Lucifrance Carvalhar em 08/07/2008
Reeditado em 27/05/2009
Código do texto: T1071428