O autor cria um personagem e este cria um novo autor

Às vezes, a solidão espontânea se confunde com os sonhos de olhos abertos, e estes têm as mesmas características da depressão. Aparentemente são estados diferentes, embora se correlacionem com fantástica precisão.

Sonho, sobretudo acordado, fantasias acompanhadas de segredos da realidade e, tais devaneios conscientes embarcam este ser quixotesco na mais feliz das batalhas, ou seja, a solidão sapiente. É invejável a afinidade que tais estados psíquicos atingem, ainda que eu pareça estar num estado deplorável.

Quando estou no estado consciente da minha depressão, deixo que um mar de sofrimento inunde todo o meu ser, entretanto, deliro prazerosamente com tais delírios. A tragédia traz a paz e a reflexão.

As tarefas a serem executadas são cobradas freqüentemente, porém sou solícito à minha eterna paciência. As resoluções que esperem os desfechos.

O sucesso nas empreitadas nunca é visto como sinal positivo. Com ele, não há mais questionamentos, e sim, a acomodação. A escalada frenética e consciente é interrompida. E sei que nunca existirá a etapa final. Para existir um ciclo contínuo é necessário que haja dúvidas e, de preferência que sejam eternas. O sucesso, como ele é visto, torna-se uma busca e objetivo grotesco, primitivo, sem o menor fundamento, acomodativo e obsoleto.

O convívio pacífico com a depressão, sem que passe por controles de laboratórios farmacêuticos representa um avanço considerável no estudo das “doenças mentais”.

Andar com equipamentos apropriados ao suicídio e até mesmo zombar de suas utilidades pode parecer aos olhos mais críticos como sandice, mas o “deprimido consciente” é um símbolo de controle total da situação. Aos representantes credenciados e também aos fiéis religiosos estas atitudes parecem um desafio aos mandamentos do Todo-Poderoso, mas confesso-lhes que não é. A tradução apropriada para tais gestos estaria no respeito que este ser tem pela sua vida.

Atingir diversos fundos de poços e buscar outros fundos e outros poços, aí está a realidade destes desafios. Conhecer todos os fundos e conhecer todos os poços. E se isso não for possível, ao menos gostariam de conhecer parte deles.

Não pretendo com isso justificar o que para todos representa doença. Não quero produzir uma revolução contra os desenvolvimentos científicos. A ciência é a procura. A vida é a pergunta.