Madrugada fria
A madrugada fria transpira silêncio e inspira as estrelas a brilharem. Nem mesmo o vento lento e cortante interrompe a paz, que destituída de guerra, impera solenemente neste período.
Alguns gatos pretos circulam distraídos pelo telhado do prédio vizinho. Aparentemente, nenhuma gata preta está no cio. Não se houve suas passadas, talvez pelo cuidado que estes seres têm em não acordar seres mais nervosos. De onde se encontram e com os seus olhos investigativos me observam, sabedores de que também eu os observo. Não abuso de minha “condição superior” de humano e os deixo sossegados. Eles também não abusam de suas “condições inferiores” de irracionais e também me deixam em paz.
Os canários na gaiola estão agitados. Sentiram a presença de seus predadores naturais e se esforçam para continuarem presos, porém vivos.
Neste instante – não creio que os gatos pretos se interessem por estas minúsculas, porém apetitosas aves –, o faro e garras destes felinos domésticos tramam outras emboscadas mais sugestivas e saborosas, talvez algum roedor menos avisado, distraído com a sua prole que acabara de nascer. Prefiro observar estes predadores noturnos a outros predadores, estes humanos, que conspiram planos contra outras presas.
A madrugada alimenta os pensadores a buscarem respostas na infinita escuridão. Consigo, sem a ajuda de aparelho algum, decifrar ondas eletromagnéticas emitidas de outros mundos por seres preocupados com a comunicação universal. Não afirmo que estes chamados são emitidos por seres extraterrestres. Há a possibilidade destas ondas serem apenas ondas eletromagnéticas sem que sejam emitidas por quaisquer seres de outros mundos. Sei lá!
Decididamente, os gatos pretos desistiram dos canários. Estão todos em outros telhados. Agora, os canários dormem, embora sempre deixem um deles de sobreaviso. É necessário, pois os gatos são astutos e nunca estão desatentos, então, eis um canário amarelo de olhos bem abertos.
Sem cigarro… com fome… sem dinheiro. Eis-me aqui!