Desculpas...

Os feios, assim como este que lhes escreve, insistem em desqualificar a beleza física. Promovem o intelecto como a única e talvez a última salvação do planeta terra. Na realidade, gostaríamos imensamente que os nossos dotes físicos tivessem características diferentes dos atuais, e se não houver cirurgia plástica, eternas. Uma pele facial sem tantas cicatrizes – crateras enormes que conseguimos durante a nossa adolescência, em função das inúmeras “espinhas” adquiridas a base da comilança de chocolates, muitos e muitos chocolates; olhos mais vivos e insinuantes – deixo claro que não há a necessidade de serem azuis ou verdes; cabelos aparados segundo a moda; um corpo sem gordura e sem ossos aparentes. Um verdadeiro deus grego. É assim que nós os feios, gostaríamos de ser.

A feiúra faz os feios tomarem algumas decisões chatas e longe dos padrões convencionais, tais como: ler uma infinidade de livros – de preferência, os clássicos que ninguém lê; colecionar revistas de conhecimentos gerais – é comum encontrarmos estes excluídos comprando revistas científicas; durante o período escolar se tornam os principais C.D.Fs. da escola – certamente, nunca “passam cola” aos companheiros de classe; assistem a filmes de produções francesas, italianas, russas, indianas, chinesas e iranianas, afinal, é intelectualmente promissor conhecer o desconhecido; costumam freqüentar teatros que apresentam as peças clássicas, afinal, é conveniente esta busca cultural; não necessitam dos folhetos quando assistem as óperas, pois conhecem perfeitamente o idioma utilizado pelos artistas; são fãs de documentários; entram naqueles museus recheados de velharias, afinal, conhecer a história é tão marcante quanto conquistar um olhar da menina mais bonita da cidade (sic); freqüentam exposições de quadros e esculturas; o passatempo preferido são os programas mais complicados de computador ,aliás, eles conhecem exatamente todos.

Outros feios, impossibilitados de reunir tão vasto conhecimento, tornam-se figuras extremamente simpáticas ao meio. São peritos em piadas e charadas. A risada está sempre presente ao seu redor. Alguns mais audaciosos arriscam-se como artistas, tais como: musicistas, atores, poetas, pintores, escultores, cartunistas, enfim, buscam no mais profundo labirinto dos seus “eus” algum “dom perdido”.

Em ambos os casos, os nossos “gnomos sociais” são sonhadores, porém não conseguem viver de maneira alguma com a solidão. O feio convicto e solitário se sente um anômalo perante a sociedade. Resume o seu círculo de amizade a meia dúzia de outros anômalos. São adeptos incondicionais das sociedades fechadas, onde os princípios e as finalidades se mostram com mais afinidades.

Reza a lenda, que os feios não olham para o espelho com muita simpatia. Garanto-lhes que esta lenda não passa de uma lenda. O espelho, este objeto tão real aos nossos olhos, é vez ou outra consultado por esta classe. Procura-se a todo instante uma melhoria qualquer na feição, ou até mesmo na forma física. Sendo assim, o espelho é uma ferramenta indispensável aos olhos incansáveis destes esperançosos humanos. As lágrimas, estas delatoras incondicionais, estão sempre presentes nestes tristes momentos.

Quando uma mulher, qualquer mulher, me olha, mesmo se for por uma fração infinitesimal de segundo, fico a imaginar: será que ela me olha apenas por eu estar no caminho de alguém a quem o seu olhar busca? Será que ela me olha apenas por desprezo? Ou será o seu olhar dirigido por instintos ou sentidos desconhecidos? Talvez, nunca saberei a resposta desta cruel e desgastante situação. Então, aos feios, os livros.

Obs.: nunca, e em hipótese alguma, este desígnio é válido para os milionários.