Hindu é Brahma

Durante a noite virava hindu porque só tomava Brahma. Dizer isso não deixava de ser um exagero. Sua mente produzia lêvedo e beber era um item tão regular quanto às estrelas na força do céu noturno. Nem os fenômenos meteorológicos lhe metiam medo. Atravessava feliz a noite chuvosa até o seu reino de mistérios mesmo nômade no amor. Cada novo encontro se acendia como a paixão pelo perfume da carne. Só as paixões lhe desarrumavam o espírito cultivado. Um espírito tão cuidado que previa o eclipse dos amores passageiros em recados pela secretária eletrônica. Era assim que vivia a sua lógica experimental passando de calor íntimo a calor íntimo. A via Láctea era o seu tapete de flores de sumo lirismo. O sonho a evidência irreal, portanto seu rosto desenhava no espelho desses tópicos irreais o panorama do contentamento.

Circunspeto parecia traduzir o Antigo Testamento do hebraico para o grego. No fundo não era nada disso. Vivia apenas bem-aventurado em meio aos vinhos e figos verdes. Cercado de muralhas no perpétuo balneário dos desejos como quem prefere a toada sutil da discrição ao escândalo das vitrines. (Escolhas também são muralhas). Preferia às boates a se perder de vista nas reservas florestais. As choperias bem mais do que antiquários. As galerias de arte aos estádios. A música ao vivo mais do que os cinemas que agora poderiam ser levados para casa. O humor: O cinema depois que passou para dentro de casa havia se despido as últimas conseqüências.

Com a lei seca havia concordado inteiramente. O álcool é droga de estado, confessava, observe bem a televisão ou até mesmo o jornal porque ninguém diz: o cidadão drogado na direção (claro que acima do nível do bafômetro) atropelou fulano de tal na rua tal. A droga não é tão perniciosa quanto o jogo sujo que se criou sobre ela em nome da arrecadação e do conflito de classes. Uísque devia ser vendido nas farmácias, coca-cola era artigo de farmácia, portanto, droga na drogaria. Depois tudo o que a ciência deixa de lado vira caso de polícia na belicosa América dos músculos.

Filósofo de amenidades. Conhecedor de toda geografia. Sabia que Jaguarão ficava distante 325 km de Bagé. Jaguari a 118 km de Santa Maria. Vendeu o casarão onde havia mais arco-íris do que o normal e sumiu no breu das madrugadas. Mesmo assim continuou alegre, feito de bonomia e hindu porque só tomava Brahma.

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 08/07/2008
Reeditado em 09/09/2011
Código do texto: T1070425
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