Minha vida não vale uma crônica

Minha vida não vale uma crônica. O que é uma crônica? Quanto vale uma vida? O professor munido de Pilot Vermelho riscou o quadro. Em letras garrafais impôs o desafio. Foi aí que voltando o pensamento para mim mesmo (sic)*. Percebi, aterrorizado, a verdade cruel. Seria a grama do vizinho mais verde? Seria a festa no apartamento ao lado? Onde estaria a caixinha mágica que os cronistas profissionais se alimentam? Porventura, seria ela acessível a todos?

O tiquetaque do relógio imaginário tiquetaqueava. Os ponteiros deslocavam-se de um ponto ao outro. Idéias desconexas, convulsas, descompassadas e limitadas assaltavam a mente, mas nada era capturado pela pobre massa cinzenta. Em um surto psicótico a esferográfica freneticamente impregnava o papel. Ou seria psicografia?

Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque...

A hora do almoço se aproximava, refletindo em roncos estrondosos no estomâgo.

Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque...

O suor escorria pela testa...

Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque...

Não havendo nada para ser dito. Não havendo nada que valesse realmente a escrita de uma crônica... Então, resignado aceitei o fato e, canetei o ponto final.

* Aqui a expressão latina “sic” (assim como foi dito) ganha sentido diverso do usual. Deve ser entendida como: assim com eu próprio imaginei.

Davidson Davis
Enviado por Davidson Davis em 06/07/2008
Código do texto: T1067332
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