Minha vida não vale uma crônica
Minha vida não vale uma crônica. O que é uma crônica? Quanto vale uma vida? O professor munido de Pilot Vermelho riscou o quadro. Em letras garrafais impôs o desafio. Foi aí que voltando o pensamento para mim mesmo (sic)*. Percebi, aterrorizado, a verdade cruel. Seria a grama do vizinho mais verde? Seria a festa no apartamento ao lado? Onde estaria a caixinha mágica que os cronistas profissionais se alimentam? Porventura, seria ela acessível a todos?
O tiquetaque do relógio imaginário tiquetaqueava. Os ponteiros deslocavam-se de um ponto ao outro. Idéias desconexas, convulsas, descompassadas e limitadas assaltavam a mente, mas nada era capturado pela pobre massa cinzenta. Em um surto psicótico a esferográfica freneticamente impregnava o papel. Ou seria psicografia?
Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque...
A hora do almoço se aproximava, refletindo em roncos estrondosos no estomâgo.
Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque...
O suor escorria pela testa...
Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque... Tiquetaque...
Não havendo nada para ser dito. Não havendo nada que valesse realmente a escrita de uma crônica... Então, resignado aceitei o fato e, canetei o ponto final.
* Aqui a expressão latina “sic” (assim como foi dito) ganha sentido diverso do usual. Deve ser entendida como: assim com eu próprio imaginei.