Contrato com um Detento

- Departamento de Produção, bom dia. – Atendo o telefone de minha sala.
- Bom dia. Sr. Moraes, por favor? - Voz feminina.
- Quem gostaria? – Pergunto tentando puxar na memória aquela voz conhecida.
- È Rose do RH.
- Oi. Rose. Sou eu mesmo. Em que posso ajudar? – Sabia que conhecia aquela voz, estridente e ardida.
- Olá Sr. Moraes. Aqueles candidatos que o senhor solicitou já realizaram os testes e estão à disposição para entrevista.
- Ótimo. Me dê cinco minutinhos que já vou até aí. 
   
   Havia solicitado aos recursos humanos oito candidatos devido ao aumento na demanda de produção. A meta daquele mês estava ousada e precisaria mexer em meu quadro de funcionários. Já havia me habituado em realizar entrevista apesar de não gostar muito, mas era um procedimento necessário. O maior problema é que alguns quando desempregados prometem mundos e fundos ao comprometimento, passado alguns meses, caem em desgraça, os sem recuperação, demissão. Tarefa não muito agradável, demitir pessoas, de alguma forma sempre mexe conosco.

   Caminhei até a sala de treinamento e solicitei os currículos com os testes psicológicos realizados pelos candidatos. Chamava um por um, os que tinham perfil desejado para o cargo, sempre solicitava teste “in loco” para verificar adaptação ao trabalho.
- Sr. Antônio Brasileiro. Por favor, acompanhe-me. – O nome verdadeiro do individuo será omitido.

   Observei certo “ar” de receio e preocupação naquele candidato, mas nada que outros também não tivessem. A própria Rose (que também não tem esse nome) me dissera que teria notado um comportamento um tanto que “enfático” naquele jovem, pois mentira na portaria dizendo ter sido mandando pela “agência de emprego”, porém não trouxera a carta de apresentação que normalmente eles encaminham com o candidato.

   Ponderei, pois tinha ciência da dificuldade em conseguir-se um emprego em nosso “Brasil” e fechei os olhos praquela observação e pedi-lhe que incluísse-o no grupo dos que seriam entrevistados por mim, ele tinha ido bem nos testes escritos. Também achei que a artimanha utilizada não trouxera prejuízo material pra nenhuma parte e dependendo da situação que eu estivesse, seria capaz de cometer tal delito. 

   Vou resumir para não ficar cansativo:
- Sente-se, por favor. Meu nome é Moraes, sou supervisor geral. O Sr. é casado?
- Não. Mais tenho três crianças que pago pensão. Estou desesperado, pois me preocupo pela sobrevivência delas.
- Por que o senhor foi demitido da última empresa? – Perguntei tentando buscar algum traço de irresponsabilidade ou insubordinação.
- A empresa passou por algumas dificuldades e houve corte em massa. Fui premiado – Respondeu meio distante, como se pensasse nos filhos.
Percebi algumas folhas de papel sulfite com escritos e um livro dentro de uma pasta. Fulminei.
- O senhor gosta de ler?
- Sim. Inclusive sou “Escritor”, escrevo sobre algumas desilusões de minha vida. Estou preparando um livro.
- Muito bom senhor “Brasileiro”, então somos dois amantes da literatura. Eu também rascunho algumas coisas.
- Hora dessas vou lhe mostrar meus textos... Também realizo um trabalho em favelas da região. Sou presidente de uma “ONG” no qual palestramos às crianças da comunidade com intuito em mantê-las afastadas das drogas.
- Muito bom mesmo rapaz. Solicitarei um teste de adaptação pro senhor. No momento é só. Futuramente nos falaremos, quem sabe possamos “trocar uns textos”. Boa sorte.

   Saiu daquela sala radiante. Parecia estar pisando em nuvens e sua alegria contagiava o ambiente. Passado uma semana, cumprimentei-o algumas vezes nos corredores, via-se contentamento em seu trabalho. Logo em seguida, recebi uma informação sobre aquela minha recém contratação. O jovem escritor teria uma ficha criminal considerável (tráfico de entorpecentes/homicídio qualificado/agressão) do qual teria cumprido pena prisional. Também me veio a “ordem de cima” que demitisse imediatamente o individuo.

   Não houve tempo de avaliar se o camarada havia se ressocializado (provavelmente não deixarão), sua dispensa foi constrangedora e de todas que já fiz a mais receosa. 

   Possivelmente seria mais um capítulo de seu livro do qual nem cheguei a paginar, mas que fui coadjuvante daquela traumática sinopse. Livro de paradoxo dramático e inevitável num país tão violento.
Sidrônio Moraes
Enviado por Sidrônio Moraes em 05/07/2008
Reeditado em 11/08/2010
Código do texto: T1066084
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