O lagarto e o fósforo
Moro ao lado do baldio, moro ao lado do sabiá, infelizmente outros moram, nem notar que os pássaros cantam pra mim e pra eles, sem cobrar.
São quatro, se não mais; uns velhos, outros jovens, rabo curto, rabo comprido. Se ameaçados, soltam a extremidade, mantendo a ingenuidade de morar, no baldio, abandonado pelas obras, porque de íngreme, não gera voto, não ganha eleição.
Certo dia, depois de uma roçada, nem desmatar e descobrir o lagarto, seu fósforo, morador do cume, falou pros dedos, pedindo lume. Seu dono, inconformado pelas pontas da seringueira, que atrapalham e sujam seu veículo, bateu na cabeça dele, armando grande fogueira.
A fumaça veio participar, entrando nas janelas e cômodos e os restos da roçada, vendo a morte na espreita, ligaram pro seu Zé, pedindo uma gota de água.
Seu Zé, dono do fósforo, não se incomodava, morava longe, não temia o fogo, que mesmo de perto, lhe parecia vassoura a queimar as folhas, da seringueira que vive, ao lado do abacateiro, vizinha da goiabeira, que divide o pátio com a pitangueira, que alimenta a carruira, o pica-pau, o joão-de-barro, o canário e o beija-flor.
Seu lagarto, que não é amigo do seu fósforo, correu pro outro lado e batendo na minha porta, gritou por amparo, porque via sua casa, seu jardim e seus filhos, ao lado de seringueira, pretos e duros, tostados, pobres coitados.
Sorte foi o balde e o regador, que vendo a água, pediram socorro e se lançaram morro acima, invadindo o baldio, soterrando com suas gotas, o fogo que ardia, que consumia, que matava.
Se o doutor ou autoridade, mandasse na capina, o baldio não ardia, sem seu Zé, riscando no fósforo, queimaria, a tudo e a todos, matando o seu lagarto, coitado.
Que me ouçam os que mandam, esquecendo do imposto, que saiam de suas salas e vem, ao nosso socorro, roçar o baldio da Paraíso, no bairro das antigas laranjeiras, que diz Pinheiro, sem ter a árvore em si.
E torço pro seu Zé, perder o fósforo e quem sabe, jamais queimar o pé, quanto mais o resto, tal qual este, que em verso, viu o fósforo matar e passou a viver em dor. Agora que o sol castiga, que a chuva tarda, rezo pro seu Zé, abandonar o fósforo, por debaixo da pedra, longe dos dedos e que viva sem remorsos.