Machado de Assis


     Até o dia 29 de setembro de 2008 estarei reverenciando a memória de Machado de Assis.
    Como? Relendo suas crônicas. Nessa data, o nosso maior escritor fará cem anos de morto. Lembrá-lo, é preciso. 
     E aqui vai uma pergunta: quantos, neste país que esquece fácil seus verdadeiros ícones, estarão fazendo o mesmo?
     Quantos colégios, universidades, agremiações literárias já programaram, digamos, uma semana em homenagem ao Mestre de Memórias Póstumas de Brás Cubas?
     Alegarão alguns: "Ah, mas 29 de setembro ainda está muito longe..." Será?
     No Brasil fala-se em carnaval o ano todo. E a copa do mundo de futebol que acontecerá por aqui em 2014, desde agora, ocupa considerável espaço na mídia. Nada contra. 
     Mas é preciso dizer para nossos jovens que Machado de Assis é o nosso maior escritor. Senão, de repente eles perguntarão em que time de futebol ele jogava...

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     Farei minha parte homenageando-o ao meu modo e com acentuada dose de gratidão. Gratidão pelos seus romances, seus contos, sua poesia; e principalmente pelas suas crônicas.
     Graças a ele a crônica adquiriu consistência, autonomia, prestígio e dignidade no mundo das letras.
     Houve, creiam, até quem classificasse a crônica como sub literatura. Um horror!

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     Para ilustrar este modesto texto, retalhos do perfil biográfico do belo cronista. 
     Uma biografia sem lances extraordinários e espetaculares, porém, bonita; em alguns momentos, comovente. Recontá-la nunca é demais.
     Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em um dos morros carioca, o morro do Livramento, no dia 21 de junho de 1839. 
     Filho de Francisco de Assis, um pintor mulato, e de Maria Leopoldina Machado, uma lavadeira portuguesa.
     Machado era um sujeito franzino, mulato, gago, canhoto, epilético e sem um diploma universitário.
     Excelente no manuseio do português e com bons conhecimentos do latim e do francês.
     Foi casado com Carolina Xavier de Novais. Ao vê-la morta, dedicou-lhe o soneto A Carolina,  sempre lembrado quando se estuda Machado, o poeta.
     O berço humilde, a cor da pele, sua gaguice, sua epilepsia, o morro onde nasceu, nada disso impediu que ele se tornasse o maior escritor brasileiro e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, que dirigiu durante anos.
     Além de maravilhosas crônicas, poemas, e envolventes contos, Machado escreveu os seguintes romances: Ressurreição (1872) - A Mão e a Luva (1874) - Helena (1876) - Iaiá Garcia (1878) - Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) - Quincas Borba (1892) - Dom Casmurro (1900) - Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908).

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     Relendo Memórias Póstumas de Machado de Assis, magnífico livro de Josué Montello, seguidor fiel do Bruxo na arte de escrever bem, deparei-me com uma crônica do Mestre de Helena sobre a rua do Ouvidor.
     Tenho um caso de amor com a rua do Ouvidor. 
     É um dos locais da Cidade Maravilhosa que freqüento com imenso prazer. Quando passo pelo Rio, visito-a uma, duas, dez vezes. 
     Saudosista, a ela retorno, sentindo-a como um dia a descreveu Joaquim Manuel de Macedo: " A rua do Ouvidor, a mais passeada e concorrida, e mais leviana, indiscreta, bisbilhoteira, esbanjadora, fútil, noveleira, poliglota e enciclopédica de todas as ruas da cidade do Rio de Janeiro..."
      É evidente que, afora sua original configuração topográfica - ela continua estreitinha, acanhada, sem asfalto - a Ouvidor não é mesma dos tempos de Paula Nei, Bilac, Patrocínio, Emilio de Menezes,  Chiquinha Gonzaga e de outros intelectuais boêmios que por ela perambulavam, em animadas e inteligentes patuscadas, no alvorecer do século 20.  
     Claro que Machado, embora discretamente, também esteve por lá. 

     Mas vamos ao que Machado escreveu sobre a Rua do Ouvidor, crônica publicada no dia 13 de agosto de 1893.
                        
                        "Rua do Ouvidor

     Vamos à rua do Ouvidor; é um passo. Desta rua ao Diário de Notícias é ainda menos. 
     Ora, foi no Diário de Notícias que eu li uma defesa do alargamento da dita rua do Ouvidor - coisa que eu combateria aqui, se tivesse tempo e espaço. 
     Vós, que tendes  a cargo o aformoseamento da cidade, alargai outras ruas, todas as ruas, mas deixar a do Ouvidor assim mesmo - uma viela, como lhe chama o Diário -, um canudo, como lhe chama Pedro Luís.  
     Há nela, assim estreitinha, uma aspecto e uma sensação de intimidade. É a rua própria do boato. Vá lá correr um boato por avenidas amplas e lavadas de ar.  
      O boato precisa de aconchego, da contigüidade, o do ouvido à boca para murmurar depressa e baixinho, sem saltar de um lado para  outro. 
     Na rua do Ouvidor, um homem, que está à porta do Laemmert, aperta a mão do outro que fica à porta do Crashley, sem perder o equilíbrio.  
      Pode-se comer um sanduíche  no Castelões e tomar um cálix de Madeira no Deroche, quase sem sair de casa. O característico desta rua é se uma espécie de loja única, variada, estreita e comprida.
     Depois, é mister contar com a nossa indolência. Se a rua ficar assaz larga para dar passagem a carros, ninguém irá de uma calçada a outra para ver a senhora que passa - nem a cor dos seus olhos, nem o bico dos seus sapatos, e onde ficará em tal caso "o culto do belo sexo", se lhe escassearem os sacerdotes?"

     Como soube defender a intimidade das ruas, hoje, na sua maior, alargadas e devassadas...

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     Deve o leitor ter observado, que me ligam a Machado de Assis - que morreu de câncer, "triste e solitário", na tarde de 29.9.1908, em sua casa do Cosme Velho - mais do que seus romances, suas crônicas.
     Isto porque, cronista MENOR, busco em Machado, o cronista MAIOR, um pouco de oxigênio para continuar escrevendo minhas bobagens, apelidando-as de crônicas...   
     

     

      

    
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 05/07/2008
Reeditado em 26/10/2020
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