A DANÇA DOS ORIXÁS

Preto de cor, velho de alma; eu observo as estrelas e tento imaginar onde viverá nosso grande pai Oxalá. Caçador das letras, tento expressar em palavras, essa nossa busca que parece não ter fim, e ouço ao longe, o vento me chamar: “Peregrino, você quer dançar, quer participar da festa dos Orixás?”

Que festa? Pergunta o homem que visto, preso na senzala do corpo, amarrado no tronco da ignorância. O vento responde: deixe que eu te guie um pouco, até que você compreenda o convite e tenha força para voar com as suas próprias asas, dançar com suas próprias pernas.

Erê de coração, aceito o convite e vôo com o vento como se sentisse no rosto os primeiros raios da manhã. Curioso, pergunto ao vento o seu nome, e ouço um riso feminino, e o vento responde: “sou Iansã”. E a deusa do vento vira nuvem, e me entrega em forma de chuva na mata; feito gota, pouso na folha e escorro para a terra. Da água viro barro e do barro me formo; sou caboclo caçando na trilha, sou índio correndo no mato. Sou Oxossi de arco e flecha, desenhando no chão com a pemba, protegido pela Jurema; sou Oxossi seguindo de mata em mata, em busca da minha trilha. Caço conhecimento, busco a sabedoria das montanhas. Aprendo a sorrir com cada perigo, mas respeito meu adversário, aceito cada desafio. Cada passo, uma experiência; cada giro, um novo ciclo e finalmente, avisto a montanha do amor e grito: Kaô Xangô!!!

Xangô me recebe vestido de montanha e aos seus pés deixo meu conhecimento. Ele recebe minha oferenda e a molda no fogo, transformando-a em pedra. Com o seu martelo, Xangô bate na pedra, e feito trovão, o som do faiscar do conhecimento na rocha, é ouvido nos quatro cantos da terra; e a luz da faísca reflete na lua, de onde Ogum a recebe e a transforma em espada e diz: “meu caro guerreiro, seu conhecimento é a sua arma. Use essa espada para contribuir com o todo, respeite e honre o seu dom. Contudo, não se preocupe com a gratidão, quem trabalha para o mundo é sutil e sabe que trabalho bem feito é recompensado com outros dons”.

Agradeço o presente e me despeço do Cavaleiro da Lua no raiar do dia à beira-mar. Viro maré e gentilmente, sou entregue a praia. Olho novamente para as águas e vejo o azul se levantar, o sol nascente virar sorriso e enquanto meus olhos se enchem d’água, surge Iemanjá e eu a agradeço com um grito: - Iêee Rainha do mar! Obrigado minha mãe –a senhora das ondas se despede enviado um beijo com gosto de brisa de mar.

Sinto que vou despertando para o corpo, mas antes que acorde, percebo que além da praia, há uma cachoeira que vira rio. As margens das águas, há uma mulher a chorar. Aproximo-me e é Oxum que vejo, que ainda chorando, sorri; e me convida para sentar ao seu lado.

– Por que chora, guerreira das águas doces? – pergunto, encantado com a sua beleza.

– Choro pelos homens, meu peregrino das estrelas. Mas não se engane, não há tristeza em meu choro, pelo contrário, choro alegria. Choro como quem faz uma saudação, minhas lágrimas são oferendas, e todo homem que mata a sua sede em meu leito, desperta pouco a pouco, cada um no seu ritmo, cada um do seu jeito, até se transformar em um Orixá.

- Será possível tamanho milagre? Será possível que o barro vire estrela?

- Peregrino, se um dia o barro foi estrela, será tão difícil de acreditar que o barro volte a estrelar? – ela pergunta e continua a falar - Querido filho, reflita sobre essas palavras: O homem olha para cima em busca de Orixás, sem perceber que o maior dos deuses habita dentro dele. E eu te pergunto agora: onde você pensava que era a morada do nosso pai Oxalá?

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