Fome de mídia

Noite, quarto cama e casal.

- Estou com fome.

- Vou para cozinha procurar um bife.

Foi até a cozinha com a sensação de que o marido nunca quis saber de ninguém, apenas do bife. Depois consentiu como parte do instinto natural achando-o engraçadinho. Voltou para perguntar se ele ainda lhe amava, por via das dúvidas, após tantos anos de tradição matrimonial. Ele disse que responderia a pergunta daqui a pouco, após a digestão do bife.

- Disse que amava, mas você teve reação alérgica, lembra?

Poderia repetir isso todos os dias, mas havia a reação. Ela ficava empipocada. Andava feliz com a mulher porque havia sido escolhida para a promoção da televisão. As inscrições haviam sido prorrogadas para o quadro “pegue a salsicha no ar!” Arremessada do andar mais elevado em plena via pública. (A televisão acreditava que o enfoque contínuo estimulava os azares do mundo).

Voltaram ao sexo após o bife com salada. Depois ele disse.

- Se pegar a salsicha em pleno ar... Tentou fazer considerações.

- Aja como se fosse um buquê... Desejava ganhar um par de meias com o prêmio. Ligaram a televisão para ver se ela aparecia entre os concorrentes. Estava entre os dez mais. Surgiu no ar um apresentador gorducho falando sobre compras a prestação e explicava: os compradores são impiedosamente explorados! Os juros exorbitantes. Excita a compra de inutilidade gerando despesa extra. Façam o cálculo. O famoso especialista em finanças norte-americano dizia que a venda a prestações não é um barato! Uma coisa dessas dita por americano é sempre algo da maior importância na televisão. Fosse Norueguês seria diferente.

Eles estavam economizando para a viagem a São Paulo. Era melhor arriscar ganhar a bolada no quadro da salsicha do que economizar para comprar outra geladeira nova. O ato de comprar é divertido e dava tudo no mesmo. Estava estimulado a participar do mundo vivo do dinheiro de algum modo normal como todos, afinal o enfoque contínuo estimulava o endividamento. Se não vivesse assim de que forma viveria? Dizia que não havia endividamento, havia “endivida mente”.

No serviço todos o conheciam pelo apelido de gringo. Ele era o gringo das prestações. Tudo era a prestação. Vivia no território das prestações. Segmentado em seu mundo. Era um cidadão normal onde os juros nunca são de um por cento ao mês, exposto ao dobro ou mais. O sistema suave cobrava um alto preço. Qualquer artigo era pago duas ou três vezes mais além da primeira prestação. Pertencia a classe dos endividados em número de oito milhões no país graças a sua fome de mídia.

De natural e comum restava apenas o sexo e talvez a sorte da corrida pela salsicha num programa de televisão. Tudo para distração da multidão vencida pela despesa extra.

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