Meu querido diário
A primeira vez que me deparei com a idéia de diário foi lá pelos dez, onze anos, nos gibis do Pato Donald, Margarida e achava engraçado aquilo de eles começarem assim ‘Meu querido diário’. Depois li o Diário de Anne Frank, os de Ana Maria e de Danny, de Michel Quoist. Aqui não há o diário, então classifico este trabalho como crônica, mas deixo o titulo.
Daí que assim posso registrar o meu dia de ontem, que foi de muita expectativa, concentração,e em poucos minutos mostrei parte dos meus estudos para... para quem? Aos professores de piano da Escola de Música, alunos de piano, diretor da escola, coordenadora e para a grande Maria José Carrasqueira!
Cheguei à escola por volta das dez horas, mas a turma das nove ainda não havia se apresentado. A Maria José fazia uma preleção. Se soubesse, teria chegado um pouco antes. Ela é uma pianista concertista, importante no cenário nacional e internacional da música erudita; é professora de piano e também orientadora dos professores de piano de nossa escola municipal. Dizia que quando cheguei, ela fazia a abertura das apresentações. Incentivava-nos a sempre convidar as pessoas do nosso convívio para tocarmos para elas; que o medo é natural, porque temos que nos expor, e isso não é fácil, mas que quem ousa enfrentar enfrenta depois qualquer coisa. Falou também que erros sempre vai haver, e quem for a uma audição, a uma apresentação e não quiser ouvir erros , melhor não ir e que compre CDs.
Bom, vejo que meus medos estão aqui firmes e fortes, mas quem tocou enfrentou e venceu uns bichos grandes realmente. Eu havia preparado o estudo de Moszkowski, op.91, número IV, a Invenção 1 de Bach e o Tempo de Minueto da Sonata op.42, número dois, de Beethoven. Minha professora havia me explicado que não haveria tempo de os alunos tocarem tudo o que haviam preparado porque eram muitos os alunos. Como tudo foi-se atrasando,vi que eu haveria de escolher uma peça ou o estudo. Um pouco antes de mim um rapaz tocou a minha Invenção! Minha professora sugeriu que eu a tocasse também. Seriam duas páginas, mas na hora eu apostei todas as minhas fichas em Beethoven, três páginas e meia. Gosto muito de Bach. No VI Festival de Música de minha cidade eu havia tocado uma peça do grande compositor na sala de piano erudito para a mesma mestra Maria José e todos os alunos e professores presentes. O aluno toca, depois a professora faz os comentários, as correções e a gente volta ao normal, porque na hora se fica meio fora de si. Ontem, quando falei à minha professora que tocaria Beethoven, ela me fez um ‘você é que sabe’, que queria dizer que a responsabilidade e a escolha eram minhas.
Fui ao piano e anunciei o que iria tocar. Toquei. Consegui tocar, e a sensação, ao término, foi boa demais. Eu havia conseguido! Dessa vez a orientadora-concertista centrou seus comentários em postura, e foi muito importante para todos nós o que ela disse. Pediu-me que eu começasse a tocar novamente e não parasse, e ela foi reposicionando minhas costas, meus ombros, cotovelos, meus punhos, minhas mãos e eu ia me sentindo mais e mais leve. Postura, sempre a postura. Aí, quando me levantei, eu disse que era mais difícil sentar-me num banco redondo; ela fez que sim; uma professora explicou que os de acento retangulares não estavam bons, mas o fato é que o banco de assento redondo foi encostado e substituído. O preterido era um banco cuja almofada fazia um relevo convexo e duro que dificultava o equilíbrio e piorava a postura, desde o posicionamento dos pés. Mas lá mesmo eu falei que sempre os professores me orientavam para endireitar as costas, relaxar os ombros, os cotovelos; assumi as minhas falhas e acatei as sábias orientações. As lições que ela passou naquele momento eu não vou esquecer mais; são de muita valia.
Depois de mim foi lá também uma moça do curso de piano popular e sua professora explicou o trabalho que faz com a aluna. E a aluna, complementando os dizeres da professora, explicou a todos que ela já teve depressão e que trocou a terapia do consultório pelo estudo da Música. Que se sente muito, mas muito melhor com o seu instrumento. Tocou-nos uma música lindíssima; era um tema com nome de mulher, cujo título não recordo agora. A professora falou também de postura, como falou a muitos de nós. Os comentários sobre o que tocamos mesmo teremos depois da reunião de Zezé com nossos professores. Findas as apresentações das nove e dez horas, o diretor fez uma pausa para um café e eu pude falar com minha professora Madalena. Ia justificar a minha escolha, mas ela estava muito feliz comigo, disse-me que eu havia ido muito bem, que eu havia crescido bastante e deu-me um forte abraço.
Não sei por quanto tempo vou estudar música ainda; por mim, como já disse muitas vezes, queria estudar e tocar por toda a minha vida e os motivos ficaram-me evidentes mais uma vez: gosto da escola, dos professores, dos amigos, do convívio, de sentir a superação de minhas barreiras, da alegria de tudo isso, etc.. Quando retornar das férias, encontrarei todas essas coisas e pessoas novamente, se Deus permitir.
Obs.: Para o presente trabalho ser mais bem entendido, sugiro que leiam 'Desafios Cotidianos' e 'Matinada', crônicas também de minha autoria, publicadas aqui mesmo no Recanto das Letras.