Uma semana na rede, sem rede
UMA SEMANA NA REDE, SEM REDE
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 02.07.2008)
Passar uma semana inteira sem uma única conexão à rede, à grande rede internacional de computadores, é como deitar-se em uma rede à beira-mar numa praia distante e ouvir o mar e o vento. É como relaxar numa rede estirada na serra, longe de tudo, e escutar o mato e o vento. Passar uma semana completa sem acessar a Internet é como surpreender-se com os incessantes ruídos de vida que vêm do mangue quando o barulho dos motores e das motos silencia por fugazes e raros instantes na pista veloz da Avenida Beira-Mar ao lado e constatar que existe vida real, verdadeira, para além das geringonças com as quais enchemos nossa vida, nossos ouvidos, nossos olhos e nossa cabeça, encharcando-nos de simulações e virtualidades à custa da percepção do que há de gritantemente palpável, visível, audível, palatável e "cheirável" ao nosso redor. Claro, fora uns poucos vírus e "hackers" por aí, a vida é muito mais segura no mundo virtual...
Pois foi justo o que fiz desde sexta-feira da semana anterior até a sexta-feira passada (a qual, para mim, escritor, é exatamente hoje, enquanto que para ti, prezado leitor, esta crônica somente te alcança hoje, nesta quarta-feira): ficar sem ir à rede durante sete dias inteiros.
As coisas começaram a se configurar desta maneira a partir de uma longa entrevista dada à televisão por conta do lançamento do livro de contos "13 Cascaes". Lá estavam o Dennis Radünz, editor da obra, o Vilson Rosalino, superintendente da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes (a fundação bancando o livro e o Franklin sendo nele homenageado) e este modesto escriba, representando os 13 contistas da terra que assinam os textos.
Saí do estúdio direto para o carro, tomando com Maria Vitória o rumo de Ganchos, com direito a um maravilhoso final de semana na praia, um arrastão completo de tainhas, registrado mnemônica e fotograficamente, o espetáculo primoroso dos 5 a 1 do Avaí sobre o América de Natal, lá no Nordeste, mostrado pela televisão, e uma soberba tainha ovada de três quilos preparada com pirão pelos manos Maria Atherino e Alceu.
O dia de segunda-feira foi consagrado aos 17 quilômetros da estrada que liga as cidades de São João Batista e Brusque, palco de diversos textos de ficção que escrevi um dia. Não foi possível rever a estrada e os seus arredores, óbvio, porque aquele cenário de 20 anos atrás já não existe mais faz tempo. A noite foi dedicada à excelente companhia dos convidados ao ótimo jantar (coelho, marreco, frango, queijos e vinho tinto) oferecido pelo Marco Vasques por ocasião da inauguração formal do seu novo apartamento.
Nos dias seguintes sucederam-se, de uma forma vertiginosa, acontecimentos como os 2 a 1 do Avaí sobre o Ceará cá na Ressacada, conversas com advogados sobre três processos de indenização por danos morais movidos contra livro publicado pelo Francisco Pereira e por mim, um problema de saúde em casa, súbito e preocupante, que me impediu de rever a Rosane e o José Endoença no lançamento do livro "Martins ao Cubo" (encontro há muito planejado), visita ao meu cardiologista de estimação, abertura da exposição comemorativa dos 50 anos de pintura do Tércio da Gama, repleta de Neide da Gama e amigos comuns, a redação de uns poucos "contos mínimos" e a chegada exaustiva de uma nova sexta-feira. Esta de hoje.
Tudo isso sem Internet e com a constatação surpreendente de que é possível viver e ser feliz sem a rede - apesar das centenas de mensagens que, impacientes, certamente se acotovelam na minha caixa de entrada.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Relatos de Sonhos e de Lutas", contos)