DAS PALAVRAS

Lembro-me de que costumava achar que as palavras traçavam os seus próprios caminhos.

Quantas vezes disse com elas tudo o que queria e, mesmo assim, ainda restou a sensação de que ficava quase tudo por dizer ?

Quantas vezes, de outra forma, as achei tão pequenas, tão insuficientes para me revelarem, ou á intensidade do meu sentir?

Quantas vezes me traíram, transmitindo aos outros sentidos que nelas não punha, e despertando reações totalmente insuspeitadas?

O tempo, entretanto, acabou por ensinar-me que se pode esperar tudo das palavras. Com elas, oscilamos entre as vias do entendimento e as duas traições mais clássicas que as palavras contêm: - a de absolutamente não nos traduzirem, ou então, a de nos traduzirem bem, mas duma forma que os outros não entendem.

É claro que existem os virtuosos da palavra ! Capazes de sempre se fazerem traduzir por elas, não importa quais forem as circunstâncias.

Ou até mesmo, como alguns políticos, virtuosos em tamanha profundidade que são capazes de nada dizerem, apesar do tanto que falam.

Há também quem use as palavras para uma espécie de jogo de cartas marcadas, com significados ocultos. Ou com significados tão remotos que, em função de outras prioridades e valores, acabam perdendo a consistência, e só voltamos a lembrar-nos deles quando repentinamente, a talho de foice, nos perguntam: “ - você lembra-se do que um dia eu te disse ?” É então que a terra treme... Pessoalmente, caio sempre que nem um perfeito pato, neste tipo de situação-armadilha. E, nessa hora, vasculho nos cafundós do meu côco desprivilegiado e sempre descubro que sim, que essas palavras existiram. E pior...que foram um aviso que não tomei suficientemente a sério, e que, por isso, rumei santamente na direção de uma perfeitamente evitável desgraça futura.

Há também os especialistas em criar palavras que parecem ter sido criadas só para nós, arremessadas como carícias deliciosas, ou, noutro enfoque, como vertiginosos golpes de espada. Em alguns casos mais extremos, isso chega a virar arte – quase um dom. Raramente chega a ser visível que as mesmas palavras podem tocar a vários interlocutores com o mesmo sucesso, fazendo-os sentirem-se únicos.

Mas é também necessário tomar a defesa das palavras. Haverá algo mais singelamente belo ? Mais capaz de promover a comunicação, e o debate? Mais capaz de traduzir a beleza e o horror? Mais eloqüente?

Podem ser qualquer coisa, as palavras. Mas não há como fugir delas. Mesmo das que parecem ser criadas só para nós.