CADÊ A EPIFANIA DE CLARICE?

A minha neta Tamy estava às voltas com a interpretação do conto “Feliz Aniversário” de Clarice Lispector. Pediu-me ajuda para apontar os “momentos epifânicos do tal conto e eu pedi tempo para encontrá-los. Enquanto isso remoia as minhas próprias dificuldades.

Confesso que, em se tratando de gramática, não sou nenhum gênio, vivo às turras com a distinta, não temos lá essas intimidades toooodas. Mas, para quem escreve e procura desculpas para suas deficiências gramaticais, até que existem conceitos interessantes, como os de Vargas Vila e Lima Barreto. De Vargas Vila, é a afirmação que se segue: “ O gênio dispensa a gramática”. Já Lima Barreto é mais ferino ao afirmar: “Os grandes escritores têm a sua língua; os medíocres a sua gramática. Também tem uma tirada boa do mestre Câmara Cascudo, que diz: “Felizmente eu nunca aprendi gramática, que é a inutilizadora de grandes talentos, exceção feita apenas a Machado de Assis, que era nato. No dia em que ele viu uma gramática, se assombrou”.

Não brinque não, meu caro leitor/leitora, a danada da gramática é mesmo uma grande inibidora para quem não goza de sua intimidade. Escrevo todos os dias, para tanto, afio os dedos e mando ver no computador o que a cabeça pensante coordena. Texto concluído, lido e relido. Quando a dúvida me assalta, espicho os olhos para o que dizem os entendidos. Suas sapiências ensinam que a gramática é o alicerce do bom estilo e que existem vícios de linguagem e do próprio estilo que dificultam a manifestação do pensamento.

E lá vou eu tomar conhecimento de tais vícios e se os incorri. Ai a coisa embanana. Diante dos ensinamentos escorreitos dos amados mestres, que a minha inteligência não absorve, pois, como posso eu saber no meio de tantos “palavrões”, se cometi barbarismo, solecismo, anfibologia, obscuridade, cacofonia, hiato, eco, colisão, arcaísmo, provincianismo, acirologia, batologia, tapinósis, meiósis, auxese, tautologia, tautofonia, hemeologia, macrologia, periergia, cacozélon, cednismo, parentisso? (meu computador desconhece todas elas grifou todas de vermelho)

Ufa! Volto a “epifania” da Clarice. Com ar professoral, (depois de consultar a gramática) explico para a minha neta, que o termo epifania é emprestado da religião e significa “revelação”. Esse processo pode ser ativado por qualquer fato banal do dia-a-dia: um beijo, um olhar, uma visão, algumas palavras e susto. Os momentos epifânicos, de modo geral, são traumáticos, pois dá origem a ruptura de valores, questionamentos filosóficos e existenciais . Aproxima realidades opostas: nascimento e morte, bem e mal, amor e ódio, matar e morrer, seduzir e ser seduzido.

Dito isto, saí de mansinho de cena, porque eu mesma não sabia onde danado constava no tal conto, a “epifania de Clarice.

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 01/07/2008
Reeditado em 01/07/2008
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