Ninho de Escorpiões - Berenice Heringer

Esopo e La Fontaine, fabulistas grego e francês, respectivamente, desvendam o caráter dos humanos nas lendas em que os personagens são animais. Na do escorpião, esse artrópode pede carona no lombo de uma onça para atravessar um riacho. A sagaz felina concorda, na certa já contabilizando algum ganho futuro e nada com o scorpius às costas. Antes do final da travessia, o escorpião enterra-lhe o ferrão. Dona onça, assustada, reclama da ursada. Ao que o outro retruca: sempre uso o ferrão. Faz parte da minha natureza...

Depois desse intróito, arrisco: os laços de sangue são sangrentos. Os pleonasmos são para dar ênfase. Nos animais vivíparos, as fêmeas comem a placenta após a expulsão do feto/cria. (Na França, a placenta é do pai, que pode vendê-la às fábricas de cosméticos.)

Se não fosse pela capacidade regenerativa e gerativa do útero, que produz outra placenta a cada nova fertilização, cessaria a processo procriativo. Mas a exortação bíblica do "crescei e multiplicai-vos" é seguida ipsis litteris. Em alguns casos, pode ser a oitava praga do Egito.

Em Biologia, a definição de família é união de gêneros. Essa união visa à perpetuação das espécies. O gênero aqui não é alimentício, nem faz lembrar os secos & molhados. Trata-se de macho e fêmea. Há gênios e degenerados. E também os genéricos e os histéricos. O que fazem eles? Acasalam-se e procriam. Já que é assim elementar, meu caro Watson, os ajuntamentos promíscuos são famílias também. Não só a família real ou a sagrada. Mas as de homossexuais não preenchem o requisito básico, pois não satisfazem à finalidade biológica. Agora, que ninguém mais tem horta no quintal, todo mundo deve couve...Entretanto, se filho feio não tem pai, marginal também não nasce no repolho.

Na Camorra, associação de malfeitores do antigo reino de Nápoles, seus adeptos se metem em rixas, contendas e provocações. Máfia, não encontrei no Aurélio. A má-fia, a famiglia do poderoso chefão, será que essa cosa é nostra? Quem sai aos seus, não degenera.

Yago convence Otelo a esganar Desdêmona no drama de Shakespeare. Os intrigantes são os asseclas e êmulos. Famular é ajudar-se, é prestar auxílio mútuo. Os co-autores e cúmplices são fâmulos e simuladores. Tais dores infligidas aos outros causam-lhes frissons e orgasmos como só os sádicos podem usufruir.

No tudo da angústia sobra o nada do desespero.

Espera-se que esse fim com horror não seja o patético galardão no acerto de contas da justiça com tais facínoras assassinos. O estandarte do ideal macula-se ao release da farsa obscena. Não merecemos "comer os frutos do mar morto", as maçãs que apodrecem na boca. O ato isolado, solitário e compartilhado entre quatro paredes, foi uma sinfonia macabra.

O desfecho final invadiu a privacidade de todos nós e reverberou no Universo. As roldanas do Tempo eternizam a cena hedionda, ad infinitum

"Que as mulheres não arranhem as faces nem soltem gritos imoderados". (Lei das Doze Tábuas-X Tábua, cap.7). A mãe desconhece a lei, mas a cumpre ao pé da letra no velório.

Nas famiglias, ocultam-se as culpas e escondem-se os erros e transgressões. Essa união doentia é incesto. É o que chamamos de interdito proibitorum. Os esqueletos dentro dos armários se desconjuntam. Por que o sr. Nardoni não fez a acareação com o filho e a nora e extraiu-lhes a confissão de culpabilidade, poupando-nos desse circo de horror, dessas sessões de prestidigitação, desses discursos falsos e falaciosos? No anonimato urbano, o Totem familiar foi destronado e efetivou-se a profanação do manto sagrado da Verdade. O sacrossanto descamba para o sacrílego. Os escorpiões usam sempre seu ferrão.

18/04/08