DONA PROSA e DONA PROEZA - Berenice Heringer

No dia primeiro de abril deste ano tomei a deliberação de registrar o que rola em torno, neste período, nesta época deste Tempo, antes que o deus Chronos destrua tudo o que cria.

Aqui, nestas crônicas, as palavras se espalham atabalhoadamente na pauta depauperada do Viver. Então, organizo meu Pentagrama em milhões de notas-letras que se encadeiam por céus nunca vistos e mares nunca dantes navegados.

Meu irmão mais velho se foi há quase dez anos. E a outra peça do sexteto de dominó tombou no dia nove do segundo mês deste ano, que corre desabaladamente.

O Gnomon, relógio do sol, e a Clepsidra, relógio de água, se perfilam na parede do pátio da Vida, enquanto a Ampulheta vai pulverizando os grãos dos átimos e momentos.

Esta irmã é que me ensinou a soletrar as primeiras letras na cartilha analítica. A menina que ficou com "dor de barriga para sempre" viu que, em dado ou emprestado tempo, teria de pegar na batuta e reger os instrumentos desafinados do seu viver. Quando pegou o jeito de encarreirar as letras na pauta e emparelhar as palavras, encadear as frases e sincronizar os períodos, não parou mais. Virou Dona Prosa. Antes já treinara em ser dona Poesia, dona Trova, dona Cordélia, dona Contista, eiras sem beiras, e por aí avante.

Mas Dona Proeza mesmo foi a dona Elza, pioneira e desbravadora.

Então, quando o dia amanhece cedo, ainda há alguns pirilampos nos páramos, é a Hora da Estrela, de Clarice Lispector. È o tempo de se tentar ir até à Terceira Margem do Rio e virar a Benfazeja, de João Guimarães Rosa. "E as coisas vinham docemente de repente, seguindo harmonia prévia, em movimentos concordantes: as satisfações antes da consciência das necessidades". ( Primeiras Estórias)

É muito raro chegar-se às margens da Alegria. Sempre há um melancólico funâmbulo na corda bamba: de um lado a ilusão; do outro, a crença. E o ribeirão passa no meio...

E a ironia, a crítica, o sarcasmo e a severidade são a chuva de granizo que permeia a quimera, juntamente com a panacéia. Estas, para ilusionar e salvaguardar.

Já disse num poema, lembrando o que meu pai falou prá mim num dia incerto: Berenice, você tem coisa demais na cabeça. Isto por volta dos meus 12 anos. Aos 13 li o livro Ajuda-te pela Psiquiatria. Mas como não cria em auxílio e nem sabia onde achar um psiquiatra, fiquei na busca, na indagação, na incerteza e no espanto. "Ninguém é doido. Ou então, todos."

Adélia Prado se autonomeou Dona Doida, que virou um livro e depois um Monólogo recitado brilhantemente por Fernanda Montenegro. Os Cachorros, que a poeta e escritora mineira autorizo-se a soltar, nós mesmas, como dona Prosa e Dona Proeza, os soltamos nos versos e reversos e depois os colocamos em fuga morro abaixo, estumando-os açodadamente...

"Veja como o chão do céu é cravejado de ladrilhos brilhantes!" (Shakespeare)

"Basta, cega paixão, loucos amores;

Esqueçam-se os prazeres de algum dia,

Tão belos, tão duráveis como as flores." (Bocage)

Algum de nós tem nós atados, em presentes passados...(Per-Fiz -BH)

Ouvidos moucos

os sons poucos

ruídos roucos

pensares loucos (bh) 22/06/08