A Amante

Com esta crônica, ganhei primeiro lugar em concurso nacional realizado pela Globo.com sobre Nelson Rodrigues. Claro que eu adorei a conquista.

Quando saiu de casa na tarde de sábado para se encontrar com Isabel, Ernesto estava confiante. Havia sondado sua mulher, Maria Helena, e constatara que ela nada sabia sobre sua relação amorosa com outra mulher.

O encontro foi em um pequeno apartamento de propriedade do casal. Algumas vezes Maria Helena questionara sobre o imóvel que, na explicação de Ernesto, não era alugado por falta de inquilino. Tudo levava a crer que ela aceitava a justificativa sem contestação, o que o deixava bastante tranqüilo.

Por volta das oito horas da noite Maria Helena recebeu uma ligação telefônica de Ernesto, informando que iria jantar fora com um novo cliente, portanto não teria hora para retornar. Era um visitante e provavelmente teria que acompanhá-lo por toda a noite.

Ela concordou de imediato, mantendo, assim, a imagem de uma mulher pacata e abnegada. Ernesto esfregou as mãos, puxou Isabel para a cama e retomaram, juntos, as calorosas cenas de sexo que praticavam havia algumas horas.

Para algumas vizinhas do seu apartamento, Maria Helena era considerada quase uma santa. Raramente saía às ruas, a não ser para ir ao culto aos domingos ou fazer compras eventuais no meio da semana. Este era, sem dúvida, o ponto mais seguro de que Ernesto dispunha para manter sua aventura amorosa.

Ia dar onze horas da noite quando o telefone voltou a tocar. Em resposta ao interlocutor, ela respondia monossilabicamente, concordando ou negando. Sua maior frase naquela ligação foi “Eu sei onde. Amanhã acertamos tudo. Obrigado, pastor”.

Pouco mais de uma hora mais tarde, Maria Helena abriu quase que imperceptivelmente a porta do apartamento de aluguel. Depois de tirar os sapatos, deitou suavemente a bolsa no chão, tirando dela dois revólveres carregados. Encaminhou-se ao quarto principal, abriu lentamente a porta a tempo de ver, na penumbra, a mulher nua, cavalgando sobre Ernesto. Foram cinco tiros espalhados pelas costas e na cabeça da mulher, que caiu sobre Ernesto, enchendo seu peito e toda a cama de sangue.

Ainda com as armas em punho, Maria Helena despiu-se e se colocou em seguida na mesma posição em que a mulher se encontrava, obrigando o marido a fazer sexo com ela com o corpo que jazia morto ao seu lado.

A excitação por que ela passava crescia em contato com o corpo ensangüentado do marido, num ato que durou até a madrugada. Nos primeiros raios da manhã, exaurida e tendo tido os orgasmos que nunca havia experimentado antes, ela saiu da cama também coberta de sangue e disparou seis balas no rosto, no peito e nas partes íntimas de Ernesto.

Nos estertores da morte, ele teve força para balbuciar uma palavra qualquer e ela perguntou quem, afinal, era mais mulher para ele: ela ou sua irmã Isabel. Em seguida, pegou o telefone:

¬– Pastor, acabei de matar os dois. – E antes de gastar a última bala no seu próprio ouvido, sussurrou com grande ternura no telefone:

–Venha buscar três corpos, querido: tu também acabas de perder tua amante.”

Elber Suzano
Enviado por Elber Suzano em 30/06/2008
Código do texto: T1059065
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.