Aos pares

Não que Ernesto tivesse dificuldade de escolher nomes para seus filhos. A questão era a Teresa. Parideira de boa cepa, só dava à luz pares de rebentos, o que dificultava a escolha, sempre recaída sobre a responsabilidade do marido.

Ele já tivera dificuldades anteriores. Pai de quatro duplas , tinha sempre a expectativa de ter filho único, segundo sua concepção. Aquele era outro momento difícil. Com a ajuda da Véia Minininha, parteira famosa na região, Tereza acabava de “botar mais dois pra fora”, como definia os partos de sua mulher.

No balcão da birosca à beira da estrada empoeirada, Ernesto desaguava suas mágoas com o botiqueiro Mariano:

– Quando a patroa ia ter o primeiro filho, eu queria um menino e já tinha até escolhido o nome – ia se chamar Humberto – e então vieram dois. O maldito escrevedor do cartório da vila não aceitou que os meninos se chamassem Humberto e Doisberto, eu tive que trocar por Milberto e acabou ficando Elisberto.

O balconista, acostumado a cantinelas dos seus fregueses, fingia estar atento enquanto fazia contas sobre compras e vendas, na cabeça. Ernesto achava que seu desabafo estava interessante e continuou:

– Pois é, na segunda remessa vieram duas mulheres, daí eu deixei por conta da patroa. Uma passou a se chamar Marineta e a outra Julineta. Não gostei muito, não, porque as mulheres não sabem escolher nomes bonitos pra seus filhos. Isso é coisa de homem. Mas ficou assim mesmo.

– Anran... – concordou o botiqueiro.

– A terceira parida foi menos difícil; veio um menino e uma menina. Então a gente combinou que iam se batizar como Junio e Junia. Agora vieram mais duas meninas.

– Sua patroa só bota de dois em dois? – perguntou o vendedor, demonstrando um pequeno interesse.

– E não é que é? – despencou Ernesto e logo se recuperou: – Pedi a minha comadre pra arranjar dois nomes bem bonitos. Companheiro, ficou difícil pra mim e a patroa disse que era a minha vez de batizar. A comadre escreveu aqui nesse papel os dois nomes. Falando nisso, tenho que ir lá no escrivão agora, antes que ele vá embora.

Saiu da bodega mais leve e caminhou para uma pequena sala usada uma vez por semana como extensão do cartório de registro civil.

– Bom dia, Ernesto, mais dois, hein?

– Mais duas, Zé. Mas sem problema. O resto dos nomes você já sabe. Aqui a comadre escreveu os nomes das meninas – disse, mas não encontrou a anotação. Revirou os bolsos e nada.

–Tem erro não, eu me lembro o que a comadre falou. Ela tem estudo, sabia?

– E como vão se chamar as duas menininhas?

– Anota aí: Lavinha e Laía.

Zé do Cartório lascou o que ouviu sem questionar. Com acento e tudo. Se a comadre era letrada, sabia o que havia indicado.

Na botica, Mariano ia varrer o chão quando encontrou a anotação da comadre de Ernesto e gostou do que viu:

– Até que enfim o Ernesto achou dois nomes de artista. Muito bonitos... Vão ser artistas de televisão, com certeza... concluiu jogando o papel na cesta de lixo, lendo, antes, em voz alta: Lavínia e Laila!

Elber Suzano
Enviado por Elber Suzano em 29/06/2008
Código do texto: T1057431
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