Droga de Infância

   Todo o dia após a escola programávamos nossas atividades arruaceiras. Sempre tínhamos um pomar à “assaltar”. Mangas. Oliveiras. Pitombas. Cajus. Parecia que aquelas frutas saqueadas sempre estavam mais doces que as outras. Travosa adrenalina.

   Delinqüentes. Não desses de hoje em dia que praticam os mais cruéis crimes contra a ordem pública ou os que encontram abalos em drogas e outras substâncias químicas, nosso prazer estava na simples carreira que faríamos num terreno qualquer, com algumas frutas acondicionadas numa camiseta ou saco, perseguidos por um cachorro com latido alucinado, babando cólera, afim duma macia bunda, braço ou perna pra morder.

   Aquilo sim era excitante, melhor que qualquer pedra de crack ou papelote de maconha. Extasiava a mente e percorrido alguns metros de distância, sentíamos o prazer da emoção entorpecida. Euforia alucinogéna. Pressão às alturas, coração arrítmico, cem metros rasos em poucos segundos e alguns índices olímpicos. 

   Muito demais mesmo. Às vezes, para provocar algum proprietário que após a tentativa frustrada de nos alcançar, lançava-nos gestos obscenos ou palavras pouco audíveis, combinávamos que na próxima visitação ao roçado, sempre haveria um cagão à adubar a terra, deixando o pobre senhor ainda mais furioso conosco. 
   
   Lembro que dada ocasião, colocamos merda em toda trilha e atiçamos o ancião a nos perseguir, naquela tarde rimos de dar caganeira. Maldade pura e desrespeito aquele velho senhor. Quando soubemos de sua morte morrida, ficamos todos consternados e deixamos de ir aquele sítio. Sem graça. Tristeza sem redenção.

   Éramos quase um comitê. Tínhamos nossas reuniões, acertávamos nossas ações e eu sempre estivera liderando aquela "casa".
Algumas mães “mais educadas” me detestavam, pois minha fama já havia percorrido a vila e sempre havia uma que aconselhava em afastar - sem de mim. Puro engano. Inspirava confiança de forma que não conseguiam ficar mais que alguns dias sem falar comigo e quando ouviam das recentes peripécias, logo voltavam à turma.

   Vim embora pra São Paulo e sempre fiquei com aquelas lembranças martelando minha mente. O pôr do sol. Nosso jogo de futebol no campinho. Campeonato de futebol de botão. Ah! Uma vez cheguei à final! As primeiras namoradas. Quem casaria-se com quem? O que seríamos quando crescêssemos?

   Confesso que na primeira oportunidade que tive para retornar de passeio decepcionei-me. Não tínhamos o mesmo calor. Fracassos. Desilusões. Ressentimentos. Todos haviam mudado. Até eu mesmo.
   
   Não existia mais aquele campinho, o sol já não se punha da mesma forma e todas as frutas que provei, perdera o doce daquele sabor.

Samuel Moraes
29/06/2008
Sidrônio Moraes
Enviado por Sidrônio Moraes em 29/06/2008
Reeditado em 30/04/2010
Código do texto: T1056846
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