Lutar para sobreviver
Há uns quatro anos atrás, numa viagem a Belém, pas-seando no mercado Ver-o-Peso, vi uma cena que me marcou e hoje quatro anos depois me faz fazer uma reflexão sobre a minha vida.
Presa num poleiro de madeira, uma arara a qual dei o nome de Gilda, depenada e fraquinha lutava com as crianças que
com pedaços de pau entavam assustá-la. A ave semi-enlouquecida debatia-se movendo-se e desviando-se da ameaça das mesmas.
A arara realmente era uma lutadora. Quiz salvá-la
não só dos ataques que sofria, mas tambem do possivel comprador que a deixaria engaiolada. Tenho outras em casa e todas voam livremente, só entrando em seus viveiros para dormir.
Comprei-a.
Olhei em seus olhinhos e vi que ela entendia o meu propósito. Uma longa viagem pra nós juntas, já que agora fazia par-
te da familia. Viemos de carro de Belém ao Rio, e foi oportunidade de estreitarmos nossos laços de amor e amizade.
Chegando, a primeira coisa que fiz foi libertá-la da corrente. Mas o traficante havia lhe cortado as asinhas e ela durante bom tempo andava pelo chão como um pato usando o bico curvo pra subir em vasos de plantas.
Dela hoje tiro o exemplo da força que fazia para so-
breviver aos ataques que sofria.
Talvez o que esteja me faltando é coragem para mergulhar dentro de mim, na minha essência e descobrir o que me fal-
ta. Talvez ilusões que nem cheguei a conhecer de verdade, pois a vi -
me dava e tirava.
Os olhares que procuro quando outro olhar cruza o meu, talvez sejam o atalho para cruzar o teu e o meu caminho num único desejo e ideal. Uma alma afim com os mesmos propósitos e ca -
rências.
Mas não só a carência do corpo, mas uma alma
que decifre meus medos, minhas inseguranças, meus códigos secretos
Que conjugue comigo, que entenda meus apelos, como há quatro anos
atrás eu entendi e conjuguei com uma lutadora chamada Gilga, minha
arara querida.