Compra-se habitat.
Contar o curso da minha vida pode levar algumas horas. O que posso resumir é que tudo o que aconteceu foi por acaso, eu não costumo fazer planos - as coisas simplesmente acontecem.
Nasci por um deslize. O que muita gente não sabe é que, eu não nasci em Manaus. Eu nasci sem querer em uma ilha, Parintins, no interior do Amazonas. Meus pais não tinham planejado nada disso. Meu pai teve que passar uns dias lá, levou a minha mãe e eu, como não gosto de planos, resolvi nascer. E um mês depois, nunca mais voltei. Não conheço Parintins, embora tenha uma grande curiosidade. Embarquei pra Manaus onde passei 1 ano. Depois fui pra Cidade Maravilhosa (isso que eu chamo de antonomásia). E foi no Rio de Janeiro que eu comecei a ter noção do que era viver. Fui muito feliz em escolher o Vasco da Gama como time de futebol, escolhi as minhas praias e pracinhas favoritas, comecei a escolhina.. Depois foi a vez de Uberlândia, São Paulo, Maceió.. Gostei muito de ter passado por todas essas cidades mas não me sentia plenamente confortável em nenhuma delas. Eu não aguentava mais ter que explicar pq eu falava diferente deles: "É que eu não sou daqui." E nos meus 11 anos eu voltei pra Manaus onde passei ótimos 4 anos que conheci pessoas inesquecíveis. Me adaptei fácil, fiz amigos fácil, me destacava fácil e ria com maior facilidade ainda, virei representante de turma. "Pronto!" -Eu pensei.. É aqui que eu vou ficar, é aqui mesmo que eu tô descobrindo todo esse novo mundo, tô passando pra uma nova fase.. Mas as pessoas continuavam a perguntar o porquê de eu falar diferente. Ué.. Não era aqui pra ser a minha casa? Eles continuam a fazer a mesma pergunta. No final de tudo, continuava a mesma coisa.
Aos meus 15 anos fui pro Rio Grande do Sul. Sem meus pais, sem ninguém. Posso dizer que foram os meses mais difíceis da minha vida, os tais meses de adaptação.. Não foi por menos pq acabei parando em um internato. Não sabia direito que diabos eu estava fazendo ali. Não conhecida absolutamente ninguém, não conhecia o frio. Nunca tinha ido pro sul, nunca tinha ouvido em outra comida deles a não ser o churrasco, achava confuso as expressões. Mas o pior de tudo foi que fui parar em um internato com regime ovolactovegetariano. Adeus carne, adeus churrasco.. agora realmente não conheço nenhuma comida de vocês. A minha sorte foi que fui parar num quarto com meninas muito legais. Quietinhas, mas legais. Foi aí que eu aprendi a sossegar meu faxo também. Conheci o meu lado mais tímido e o tempo foi passando. Fui me desprendendo das curtas raízes que tinha deixado na minha cidade "natal". Comecei a adorar aquilo ali. Vi que aquilo tudo não era a imagem de internato que eu tinha na minha cabeça. Não tinha que ficar fugindo das freiras, já que era um colégio protestante. Vi que tinha gente de tudo quanto é canto do Brasil e do mundo. Americanos, Canadenses, Suíços, Angolanos.. Que coisa bem estranha. Comecei a notar que aquilo não era mais nada que morar no colégio e com amigos. Tinha algumas regras bem rígidas, mas no final das contas aquilo nem pesava mais. Já tinha feito amizades, voltei no ano seguinte e trouxe comigo duas amigas de Manaus. Não teve uma que não gostou. O meu segundo ano foi melhor que o primeiro, queria que aquele ano não acabasse nunca. Namoros, amigos.. Não tinha o que querer mais. Comecei a falar 'bah', 'tri' esse tipo de coisa que eu falo até hoje. Foi lá que meu vocabulário se tornou permanente. Minhas expressões são quase todas de lá. O meu 'daí' é de lá também. Meu último ano do ensino médio chegou e chegou pra fechar com chave de ouro. Foi o melhor ano so far. Meus melhores amigos, as melhores festinhas, fiz parte de um dos melhores Grêmios que o colégio já teve, curti muito, aproveitei demais. Aquele ano não podia acabar assim.. Mas acabou. Chorei rios na formatura.. Eu estava adaptada a tudo. Mas não me sentia em casa..
Ano passado passei o ano inteiro na California. Bom, não precisa dizer muito que não foi lá que eu me senti em casa. Eu amei aquilo tudo, amei estar com as pessoas que eu gosto, amei ter conhecido aquele monte de lugares, amei as loucuras, as experiências, amei morar no exterior com amigas-irmãs.
Todas as pessoas que conheci tem um lugar em que pode chamar de casa, em que se sentem completas e seguras. Eu não. Quando eu falo isso meus amigos não acreditam. "Tem que ter um lugar Jennifer" E começam a dar sugestões: tua casa em Manaus, tua cama, teu travesseiro, o Rio Grande, A tua piscina.. Não, não e não. Eu não me sinto integrada.
Mas talvez meu lar não seja minha própria casa, um estado, um limite de terra. Adorei o Rio, Uberlândia,Maceió, California, amo Manaus e o Rio Grande do Sul e tô achando a Bahia interessantíssima, mas eu não sou daqui, e não sou de lugar nenhum.