Entrevistas
Entrevistas
Ele era a imagem da decepção. Claudinei nem sorriu, nem abriu a boca. Fez assim... Uma expressão de: “é isso aí...” Só abaixou a cabeça e recolheu seus documentos que estavam sobre a mesa. Mas antes de sair da sala, ainda conseguiu ouvir o comentário infeliz da entrevistadora da agência de empregos, aos colegas de trabalho:
“- Que homem da cara suja! Quase mandei ele fazer a barba. Que horror! Imagina se eu mando essa“ figura ”ao contratante? Meu Deus... E ainda queria emprego de entregador de jornais...”
A risada daquela gente e o som da porta batendo por trás de suas costas, marcando a termo a sua desgraça; confundiu-se com o ronco destorcido e agudo de sua barriga seca. Ele era a própria desilusão.
Quando a noite chegou ele ainda não havia chegado. Marilena, a esposa, esperava ansiosa por sua volta. Com a barriga igualmente árida, tentava conservar a esperança de dias melhores; mas enquanto não vinham... Foi ver televisão. De lá se narrava:
“- Desgraçado. Sem vergonha. Tá pensando o quê? Que chaga assim no meu estabelecimento e sai levando o que quer? Não é assim não! E não adianta fazer essa cara de coitadinho que eu não tenho pena. Tá vendo moço? Se todo mundo resolvesse fazer o que ele fez só porque está desempregado... Eu também já fiquei desempregada, meu filho... Rapaz até bonito. Só precisava fazer essa barba e arrumava até um emprego”.
“- Tá aí! Esse é o desabafo da dona do estabelecimento... Deixe-me conversar aqui com o delegado... Doutor?! Ele foi pego em flagrante delito, não é?!
“- Sim. O meliante foi apanhado na saída do mercadinho com um quilo de feijão e um aparelho de barbear nas calças. Foi flagrado pelas câmeras de segurança. A PM foi acionada e executamos a prisão. Ele será indiciado por furto...”
A câmera fez um close.
Marilena baixou a cabeça, gesto cumpria bem, e continuou ouvindo o diário dos miseráveis pela tevê. Não tinha mais lágrimas, a fome as secou. Ela era a imagem da decepção. Não chorou, nem abriu a boca. Fez assim... Uma expressão de: ”é isso aí...” Com sua cabeça abaixada recolheu os restos de esperança que ainda guardava, os esmurrou e os matou, como se nada mais pudesse fazer de melhor.
E ali, paradinha em sua desilusão, continuou ouvindo assim, meio sem sentido, o jornalista daquele teatro grego falar:
“- ...em Brasília, mas uma CPI para investigar desvio de dinheiro público promete acabar em pizza...”
Adriana Kairos