A Greve das Letras

Hoje as Letras teimam em passear por aqui. Elas espiam e se escondem. Não querem chegar, talvez não queiram parar. Elas me provocam, mas me deixam. Estão com frio ou estão com medo. Eu acho que elas gostam de mim, mas parece que estão fugindo. Elas brincam, elas cutucam, elas passam. Elas não sossegam, não estabelecem contato. Ficam vagando como almas penadas.

Saiam daqui, então! Briguei com elas. Ou vão ou ficam. Ou agridem ou afagam. O que não pode é passar por mim com indiferença. Brigaram comigo. Aquele B com cara de brabo não pára de me olhar atravessado e aquele S com cara de segredo não quer se revelar.

Basta de caras feias. Eu quero é dançar. Dançar com as letras como se dançasse uma valsa, afinal elas não dançam funk. As Letras não gostam do créu. Elas são valsa e são MPB. São brasileiras, são portuguesas e são italianas. As Letras são multilíngües.

Elas parecem dar uma trégua agora. Claro! Elas queriam virar estrelas, ser o centro das atenções, fazer papel principal no texto. Elas precisavam de atenção. Estavam carentes e sentiam-se abandonadas. Cá estão. Em primeiro plano, na primeira cena, no auge do sucesso. Todos as verão aqui e, então, elas serão vistas por outro ângulo.

Acho que estavam em greve, pois os escritores só as usam como laranjas, sem remuneração, sem salário, sem reconhecimento. Ninguém escreve pensando nelas. O Assunto é que se sobressai. É nele que todos pensam. Elas estavam em greve, pois querem ser vistas, querem ser lembradas e querem ser amadas.

Elas estavam em greve. Já não estão mais.

Raquel Corrêa
Enviado por Raquel Corrêa em 27/06/2008
Reeditado em 27/06/2008
Código do texto: T1054287
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.