No Ceará não tem disso não...

Estava eu armado com desdizeres, pronto à domesticidade moral. Jamais contrariaria o sujeito para que este não precisasse se explicar. Isto acarretaria em mais tempo, mais tempo para eu ficar ali empatado com aquela conversa que me aporrinhava. Nada mais eficiente do que isto para afugentar uma visita inconveniente, fazê-la se tocar, sem precisar abrir a boca para expulsá-la. Concordava-lhe com tudo. Quanto mais depressa acabasse seu discurso enjoativo, mais rápido livrar-me-ia dele, àquele traste. Juro que tive vontade de fazê-lo ouvir um bom falatório moralista. Mas eu não estava afim e o que menos interessava, naquele momento, era o tal para-quê do bossal.

Fez-se entrado na minha intimidade, entrou, sentou-se e foi perguntando, respondendo a si mesmo, afirmando, risinhos cínicos:

- É verdade que no Ceará quem não é “baitôla”, é gilete? rsrs

- Oh louco!

- É o que o povo fala... Diz que na terra de Iracema só tem gaúcho; rsrs

- Sei disso não...

-Sabe, sim, Ceará. Fala aí, vai... Eu já estive lá, sei como é; rsrs

- É, né...

- Àquele quebra-mar tem mais gay do que pedra; rsrs

E agora? Como é que vou sair dessa, meu Deus. O Ceará perdeu tanto assim a credibilidade? Há pouco tempo era a terra dos cangaceiros, pistoleiros, cabras-machos... Agora deu nisso...

- Viu na tv? Até flor, lá, agora, nasce sem espinho. A rosa vermelha que recebeu o nome de Iracema; rsrs

O infeliz nem me olhava para ler minhas reações. Até quando iria àquela conversa fiada? Tive uma idéia:

- Esfriou, não...

- Mas lá na terrinha tá quentinho; rsrs (e catarolou) No Ceará não tem disso não, tem disso não...

Que filho de uma ... Prometi-me maneirar com palavrões nas crônicas. Que sujeito folgado! Ir em cima dele, aplicar-lhe uns safanões, um bom chute no traseiro... Ainda que eu não apanhasse, iria me sentir muito irracional... Logo agora que ando tão imerso na literatura, nas nuances da alma humana...

- No Ceará não disso porque tá tudo aqui, não é? Gosta disso?

Antes que eu gozasse a ausência do rsrs, notei o pior, numa rápida olhadela de viés: amassava o sexo avolumado dentro da calça suja!

- Perguntei se você gosta disso, oh – encheu a mão calosa com o conjunto pênis/ testículos como a me mostrar -; rsrs

O pior de tudo é a risadinha. Dignei-me, enfim. Levantei-me, fui até ele e falei alto, afinado e grave, o mais que pude para botar moral:

- Suma daqui que eu preciso sair. Agora que lembrei...