OS PALAFRENEIROS - Berenice Hering

O ferro velho, a sucata, a vulgaridade. Ou as vulvariedades. Entre os dois sargentos do exército há um cabo. E os pipeiros entrançam as linhas com cerol...

Esta é uma perspectiva, um panorama visto da ponte. Mas tudo é velho no front. E os especialistas se esmeram para tornar a superfluidade indispensável. Mais do que nunca a alienação se entroniza com a idolatria e perduram num reinado sem destituição.

Só em Erich Fromm há a configuração do que seja a alienação, que se confunde com o conceito marxista, mas a idéia é antiga e remonta aos profetas do Velho Testamento, o politeísmo e o monoteísmo, cuja diferença essencial não é relativa ao número de deuses adorados e sim à auto-alienação. O idólatra se inclina ante a obra das suas próprias mãos.

"O ídolo representa suas próprias forças vitais em uma forma alienada". A força vital vira uma coisa. Res-rebus=coisarada, algo afastado dele, um entulho, acima dele e contra ele, a que adora e se submete. "Cada ato de adoração e de submissão é um ato de alienação e idolatria". A reificação não é transformar o homem em rei, mas reduzir tudo a coisa.

Assim, na modernidade, há Oseas e Assur, construtores de estátuas, revestidores de ouropel dos ídolos de barro. A cada dia um novo expert, um novo especialista, o personal-isso e aquilo, o estilista, o colorista, o pseudo-artista. O amontoador de camadas de tintas em telas-peles, o esteta que vira estelionatário, o notário que vira visionário e golpista.

E as pessoas se entregam a esses embals-amantes e embroma-dores, o conto do vigário é para o perdulário, o cirurgião-plástico é um deformador de faces, abdomens, mamas.

Lembro-me de um servidor da SEF-MG, com seu casal de filhos, a sogra e a mulher, esta uma verdadeira Amélia. Fazia plantão à porta do banheiro e recolhia as mudas de roupas usadas do marido, indo direto para o tanque. As crianças lindas e inteligentes, mas morenas de cabelo seco. A mãe trançava bem apertados os cabelos da Moema e amarrava com fitas, usava travessas e presilhas. E as roupinhas impecáveis, engomadas, com laçarotes. O pai não queria sair a passeio levando as crianças assim paramentadas. Dizia, para desvalorizar o esforço da mulher, e também por seu próprio preconceito, que elas pareciam mulinhas ou burricos da charrete do parque de diversões. Isto é uma crítica cruel, enviesadamente direcionada. Na roça se diz:: bater na cangalha para o burro entender.

Agora os arreamentos são comuns, até obrigatórios. A xuxa inventou e consolidou a era dos aviamentos e penduricalhos. Quanto mais enfeites e acesssórios, melhor. No limit...E ela embolsa os roialties. As bugigangas são patenteadas, trade mark, made in xuxa.

Na idade média os palafreneiros arreavam os corcéis dos seus nobres amos, duques e senhores feudais para os desfiles nas aldeolas. O nome vem de palafrém, cavalo de parada dos reis e nobres. O palafreneiro era o moço de libré que tratava do palafrém.

Imagino a transposição medieval desses arreamentos e arregimentações nos desfiles de carnaval no Brasil, nas paradas de travestis e drags, nos oloduns, timbaladas, trios elétricos, os galos da madrugada, os bumba-meu-boi e parintins. As criaturas são o barro na olaria do ceramista, a roda do inforúnio a girar e a entontecer todos, como no filme, O moinho das almas penadas, que nunca parava de girar. O problema da idolatria e do hiper-enfeitamento é que tem um começo, mas nunca se sabe a hora de dar um fim...

A modernidade é, sem dúvida, uma Guernica de Picasso, ou a imagem daquele meninazinha vietnamita, que virou um ícone do terror internacional, correndo nua e desamparada por uma estrada, tendo atrás de si a fumaça das bombas de napalm e a destruição.

A sobrecarga de adereços e complementos deixa o SER cada vez mais nu, solitário e perplexo nas vitrinas da vida. Ele é o próprio manequim maquiado e maniqui-alienado.16/06/