CARRANCAS de PROA e de POPA - Berenice Hering

Ao ensejo destas maldigitadas, presto minha homenagem ao primo Apolo Heringer Lisboa, médico, escritor, professor, um dos idealizadores do Projeto Manuelzão, que faz um alerta sobre a destruição do nosso ecossistema, principalmente a nascente do São Francisco, na Serra da Canastra. Agora o Velho Chico, alquebrado, poluído, sem fôlego, sem ímpeto, faz par com o Rio das Velhas e outros córregos das Minas Gerais depredados pela insanidade humana.

Será que no São Francisco ainda deslizam, por suas vias líquidas, as barcaças e chalanas?

O nosso Rio Doce está amargurado e empedrado. O colosso virou riachinho atulhado pelo lixão. Aí os saudosistas ficam pê da vida e, na revolta, fazemos a reviravolta e só nos resta esbravejar na impotência, porque a pujança da nossa terra Pindorama agora é só uma letra no Hino Nacional Brasileiro.

O brasileiro desperdiçador, derrubador de ipês, perobas e jequitibás centenários. O arrebentador e revendedor dos metais preciosos, gemas e pedras. Aquele que vende a alma e arremata o que resta das plantas raras, e trafica os pássaros, sagüis, onças pintadas e obras dos nossos pintores e de outras paragens. O ignorante sagaz, o capataz de bandidos, o feitor dos feitos contraventores, o ambicioso do ganho fácil, a aposta, a disputa, a disponibilidade dos maus instintos a serviço do leiloeiro das mal-aventuranças.

Como nas carrancas das barcaças, à frente vêm a cobiça e a esperteza, disfarçadas em cara-de-pau. Atrás, a sujeira que não tem como esconder. Os tapetes já estão saturados.

Na TV o desfile da mediocridade. Os caras se tatuam com caras pálidas de michaeljackson, ivetesangalos, scheilasmelão, dragões, anacondas, panda-recos, e muitos escudos de agremiações futebolescas. E o coroa com cara de camelo exibe mais de uma dúzia. Ele ameaçou que a trigésima vai ser na bochecha, sem ou com o claudinho.

Esta é a onorabile societá dos panacas que dão seus caraminguais aos torturadores citadinos nas vielas clandestinas. E as mulheres, as mocréias, são as mais exibidas e a maioria diz tamém e pobrema. As invasivas caravanas de beduinos e tuaregues dos desertos da telinha invadindo os lares doces lares, refúgio de todos os loucos juntos. E os camelos estão nos camelódromos. E as parafernálias, nos elevados babilônicos, ao rés-do-chão sem estrelas. Esse é o caos que as hordas de Átila anteciparam.

Volto a rebater na benfazeja e benemérita imigração de povos europeus e asiáticos para o Brasil braseiro. Literalmente, a Salvação da Lavoura e Uma Mão na Roda: 184 anos dos alemães, 123 dos italianos e 100 dos japoneses. Estes últimos, os imbatíveis samurais da honra, do dever, da dedicação, do trabalho ininterrupto para firmar os pés na nova terra do sol poente. O nosso povo é vaidoso e mal acostumado. Se a proa da embarcação é altiva como a de um Titanic, o navio insubmersível que adernou e sucumbiu, a popa está fazendo água, há muito não se procedem aos reparos, o cordame está puído, as trincas se alargam e as resinas não resistem aos embates do dia-a-dia. Betume-da-judéia, fez, pixe, bujarronas retesadas e moral frouxa e lânguida ao deus-dará, de déu em déu, deu no que deu.

Será este o nosso povaréu? Carnaval, futebol e cachaça...Brasil, um País de Tolos.

João Ubaldo Ribeiro, quando ergueu um Viva o Povo Brasileiro! recuou um pouco e se escondeu na Ilha de Itaparica. E se lembrou d'O Sorriso do Lagarto. Bem a tempo. Enquanto o Rio São Francisco desaparece naquele projeto governamental estranho para beneficiar capitalistas e políticos, estamos desistindo da utopia de que o Sertão vai virar Mar...Os remendos no estrago, caso comecem a ser feitos , vão levar uns dois mil anos.

Nossas carrancas estacionam in close, à espera dos Sirocos e Mistrais dos desgovernos des-org-anizados. VV. 16/06/08